sábado, 25 de abril de 2009

Adeus as Armas




ADEUS AS ARMAS*
Sindicalismo Revolucionário e propaganda antimilitarista frente à Grande Guerra.


Cleber Rudy



“O heroísmo das batalhas
é um heroísmo secundário,
de matar para não morrer,
de matar e morrer porque
lhe ordenam matar e morrer”.

Astrojildo Pereira, O Desertor.


Uma fronteira de trincheiras.

Para cada veterano, morrem de cinco a dez recrutas. Um ataque inesperado de gás ceifa a vida de muitos. Nem chegaram a aprender o que fazer. Achamos um abrigo cheio de homens com os rostos azulados e lábios negros. Numa trincheira, tiraram cedo demais as máscaras; não sabiam que o gás se mantém mais tempo no chão; vendo os outros lá em cima, sem as máscaras, arrancaram as suas, e engoliram gás suficiente para queimar os pulmões. Seu estado é desesperador, engasgam com hemorragias e têm crises de asfixia, até morrer.[1]


Assim registrava seu cotidiano no front da Primeira Guerra Mundial, o soldado Erich Maria Remarque, diante de uma Europa que se autoflagelava. Sanha militarista, que envolveria novas tecnologias[2] e um enorme contingente humano, em batalhas em nome de interesses imperialistas e nacionalistas.
Sobre o conflito o historiador Eric Hobsbawm, expõe:

Milhões de homens ficavam uns diante dos outros nos parapeitos das trincheiras barricadas com sacos de areia, sob as quais viviam como – e com – ratos e piolhos. De vez em quando seus generais procuravam romper o impasse. Dias e mesmo semanas de incessante bombardeio de artilharia – que um escritor alemão chamou de “furacões de aço” (...) – “amaciavam” o inimigo e o mandavam para baixo da terra, até que no momento certo levas de homens saíam por cima do parapeito, geralmente protegido por rolos e teias de arame farpado, para a “terra de ninguém”, um caos de crateras de granadas inundadas de água, tocos de árvores calcinadas, lama e cadáveres abandonados, e avançavam sobre as metralhadoras, que os ceifavam, como eles sabiam que aconteceria. A tentativa alemã de romper a barreira em Verdun, em 1916 (fevereiro-julho), foi uma batalha de 2 milhões de homens, com 1 milhão de baixas. (...) A ofensiva dos britânicos no Somme, destinada a forçar os alemães a suspender a ofensiva de Verdun, custou à Grã-Bretanha 420 mil mortos – 60 mil no primeiro dia de ataque.[3]

Descrição que se reporta a “Frente Ocidental” projetada pela Alemanha, um marco de frustração estratégica e mortandade.
Todavia, esta “mãe de todas as guerras” mobilizaria setores que viam na campanha antimilitarista uma arma contra o extermínio de nações. Entre estes, anarquistas e sindicalistas revolucionários, se mobilizariam via comícios e imprensa, contra a marcha belicista.
Para tanto, a propaganda antimilitarista já se articulava antes do eclodir da Grande Guerra, aliciado aos princípios anarquistas da objeção militar. Desta forma, “(...) a guerra são factos internacionais, comportando perigos internacionais, e que só podem ser combatidos internacionalmente através duma luta pela paz real e por uma verdadeira liberdade”.[4] Ainda, Leon Tolstoi reitera:

O fato de que, para servir ao exército, todos os homens sejam obrigados a interromper o curso normal de suas vidas representa uma violação ao direito de produzir.
A ameaça constante de uma guerra que poderá eclodir a qualquer momento torna vã e inúteis todas as tentativas de reforma social.
[5]

E completa,

Os governos europeus tratam de sobrepujar-se uns aos outros, aumentando seu armamento e obrigando-se a adotar o expediente do serviço militar obrigatório como meio de engajamento de maior número de tropas ao menor custo possível. A Alemanha foi a primeira a elaborar este plano, e logo após ser colocado em prática por uma nação, as outras se apressaram em seguir o exemplo. Assim, todos os cidadãos tomariam as armas para sustentar os dogmas em prejuízo deles mesmos. De fato, converteram-se em seus próprios opressores.[6]

Autor de Ana Karenina e Guerra e Paz, o escritor russo – outrora oficial do exército russo -, convertido em militante pacifista tecia suas considerações sobre a questão militar, “se todos fizessem a guerra por convicção não haveria guerras”.[7]
Preocupações que teriam ressonância no Brasil, através da constituição da Liga Antimilitarista e de periódicos como A Voz do Trabalhador.


Não Matarás!

As primeiras décadas do século XX seriam marcadas por uma insistente mobilização antimilitarista, levada a cabo por libertários em terras brasileiras e alhures, revelando preocupações com a questão militar muito antes dos rumores da preparação de uma Grande Guerra.
O movimento antimilitarista ensaiava seus primeiros passos em 1907, com a realização de comícios contra o “Alistamento Militar Obrigatório”, frente um projeto apresentado pelo ministro da Guerra, o Marechal Hermes da Fonseca. Em maio de 1908, mesmo diante de acirradas discussões que permeavam tal iniciativa, era aprovada a “Lei de Serviço Militar Obrigatório”.
Envolto em tal atmosfera, no meio operário como afronta a Lei de obrigatoriedade militar, surgia a Liga Antimilitarista, tendo como porta-voz o jornal Não Matarás! , - nome que possivelmente seria uma alusão ao 5º mandamento cristão.
Enquanto parceria, o jornal A Voz do Trabalhador, em suas páginas fazia a seguinte menção: “OPERÁRIOS, lede e auxiliai o jornal NÃO MATARÁS! Órgão da Liga Antimilitarista Brasileira”. Periódico este, que no transcurso de 1908 seria fechado e teria seus redatores presos, pelas autoridades do Rio de Janeiro.
Sobre a essência da campanha antimilitarista, em prol de uma Liga Brasileira, constata-se que:

(...) diante da recente decretação do serviço militar obrigatório no Brasil, os cidadãos reunidos na sede da Federação Operária do Rio de Janeiro, (...) a 26 de janeiro de 1908, resolveram.
1º - Aconselhar aos cidadãos brasileiros e sobretudo proletários que, firmando-se no Parágrafo 2º, art. 75 da lei do sorteio militar, aleguem crenças e idéias que se incompatibilizam com a vida militar(...).
2º - Caso esta alegação e respectivo artigo da lei não sejam respeitados, devem os conscritos recusar-se tácita e terminantemente a assentar praça, recorrendo à fuga, à emigração, à resistência material e, na impossibilidade, à resistência passiva, mas invencível e terminante (...).
3º - Fundar uma associação intitulada Liga Antimilitarista Brasileira (...).
[8]


Manifesto que ao ser publicado, traria contra seus organizados um processo movido pelo Governo, na época sob a responsabilidade de Afonso Pena.
Acerca do Sorteio Militar, implementado pelo Marechal Hermes da Fonseca, a historiadora Maria Conceição Pinto de Góes, explica, “neste período, o Estado retirava da população (não obrigatoriamente) das classes subalternas os indivíduos que deveriam compor as suas tropas. Essa escolha independia da vontade destes”.[9]
O primeiro número de A Voz do Trabalhador traz em sua primeira página em letras grafais traz “PELA PAZ DOS POVOS, Guerra á Guerra! Projeto da Confederação”, no qual afirma:

Mais uma fez os traficantes do patriotismo, os abutres sanguinários que vivem dos restos de carnificinas humanas e que por isso mesmo tem todo o interesse em provoca-las, querem lançar numa luta bárbara e fratricida dois povos que nunca mal algum se fizeram e para os quais, reciprocamente, as conseqüências duma guerra não poderiam ser mais desastrosas.
Que razões de ódio tem o povo argentino para com o brasileiro e o brasileiro para com o argentino?
Nenhuma, a não ser as fantásticas quimeras inventadas pelos mercadores da imprensa que, ou são uns malvados ou não compreendem as terríveis e funestas conseqüências que as suas excitações criminosas poderiam produzir.
O povo não quer guerra!
O povo não tem nada com as intrigas diplomáticas dos que, valendo-se de todos os meios, galgaram as altura do poder e dele se aproveitam em beneficio dos seus interesses particulares.
O povo não quer servir a ambição dos políticos e militares de profissão para os quais a guerra é apenas um pretexto para adquirir brilho e posições rendosas.
[10]


Impasses os quais registrados pelo jornal, marcariam o ano de 1908 enquanto clima de guerra entre Argentina e Brasil, mediante uma briga entre os ministros das Relações Exteriores dos dois países. Acontecimento que ficaria conhecido como “Questão Zeballos”.
Movidos por princípios antimilitaristas, acordados durante o Primeiro Congresso Operário no Brasil, a Confederação Operária Brasileira, divulgava uma Circular de repúdio a um possível conflito entre os dois países. Uma versão em espanhol fora enviada a Argentina. Entre as adesões divulgadas no segundo número de A Voz do Trabalhador, tem-se de Buenos Aires o jornal antimilitarista Luz al Soldado, e a Federación Regional Obrera Argentina, ainda como, a Federación Obrera del Uruguay.
Respondendo a circular da COB, o libertário Benjamim Mota escrevia ao periódico de São Paulo, a Folha do Povo:

Que penso da guerra?
Que pode um homem, emancipado das mentiras da civilização burguesa, pensar da guerra?
A guerra é uma monstruosidade, é um crime de lesa civilização e de lesa humanidade. A guerra é uma ressurreição dos instintos do homem bárbaro dos períodos pré-históricos nos homens de um ciclo e civilização mais adiantada.
[11]

Todavia A Voz do Trabalhador, incitava: o povo não deve só não querer a guerra, deve manifestar sua aversão a tal feito, e ruboriza “Guerra á Guerra!”. Desta forma, a COB instigava uma greve geral de protesto para o dia 1º de dezembro de 1908 enquanto repúdio ao clima de guerra perpetrado pelos governos argentino e brasileiro.
Sobre a manifestação do 1º de dezembro o jornal registra, “(...) diversos companheiros carregavam bandeiras ostentando em grandes caracteres os seguintes dizeres: ´Pela paz dos povos`, ´Guerra á Guerra!`, ´Viva a confraternização do proletariado brasileiro e argentino`, ´Viva a fraternidade Sul Americana`e um em inglês: ´Peace on earth` (Paz na Terra)”.[12] Ato que segundo o jornal, teria reunido 5 mil manifestantes, o que deixou os organizadores satisfeitos, já que fora a primeira manifestação pública antimilitarista realizada no Rio de Janeiro.
Em sua edição de 3 de agosto de 1909 o jornal A Voz do Trabalhador trás, um artigo um tanto quanto curioso acerca do antimilitarismo na América do Norte. Se reportando a uma conferência da anarquista Emma Goldman efetuada em San Francisco sobre o patriotismo, realizada em 1908, expõe que um militar que estava no auditório foi até a conferencista e apertou-lhe a mão, “reconhecendo como verdadeiro tudo quanto dizia a oradora em relação á Guerra, Pátria e Patriotismo”, ainda o jornal afirma, “Imaginem! Por este crime terrível foi esse militar, que se chama William Buwalda, condenado pelo conselho de guerra a 5 anos de prisão (...). Mas tarde, por se terem levantado inúmeros protestos, foi (...) absolvido”.[13]
As experiências antimilitaristas levadas a cabo por libertários não tardariam em tornar-se alvo de “uma grande repressão e ameaça de expulsão aos que não eram naturalizados brasileiros. Em 1908, ano em que foi aprovada a lei que instituía o serviço militar obrigatório, a repressão foi intensa”.[14] Entre as brumas de um ambiente de repressão a polícia, “travestida” de Scherlock Holmes, divulgava no jornal Correio da Manhã, de 2 de janeiro de 1908, uma mirabolante teoria conspiratória, “a descoberta de uma plano anarquista com ramificações internacionais, para afundar parte da esquadra americana que estava ancorada no Rio de Janeiro”.[15]
Ainda as páginas de A Voz do Trabalhador registravam a soltura do militante antimilitar Manuel Domingues, “preso pela distribuição de boletins contra o sorteio militar”.[16]


Sindicato, anarquismo e revolução.

O anarquismo enquanto orientação e organização política implementada por imigrantes italianos, espanhóis e portugueses, com força nas primeiras décadas do século 20 entre o operariado brasileiro, - instigando motins, sabotagens e greves, enquanto afronta a estabilidade capitalista -, traria em sua senda, por vezes a defesa do sindicalismo radical, como arma de luta, rumo a almejada revolução social. Todavia, perspectivas de mundo baseadas no anticlericalismo e no antimilitarismo atreladas ao pensamento libertário, apimentariam ainda mais seu discurso político. Perspectivas as quais, que no sindicalismo revolucionário encontravam um veio de propagação, como o fora no Brasil com o periódico A Voz do Trabalhador, que além de artigos de tonalidade operária sindical, trazia texto anticlericais e antimilitares, e ainda distribuía obras tais como, “A peste religiosa” de João Most, “O Sorteio Militar” de Cezar Mendes e “Tributo de Sangue” de Carlos Dias.
Enquanto projeção libertária, o sindicalismo radical surgia como a possibilidade de expropriação da burguesia, através de uma Greve Geral de cariz revolucionário. O libertário Neno Vasco em Concepção Anarquista do Sindicalismo, pontua.

Certamente, os anarquistas e outros socialistas esperam do sindicalismo muitas coisas: que os operários nele tomem consciência da luta de classes, do irredutível antagonismo de interesses existentes entre eles e os capitalistas; que na acção e em contacto com seus iguais no sindicato, os trabalhadores se apercebam da insuficiência dos melhoramentos parciais e da necessidade de expropriar a burguesia e reorganizar a sociedade sem parasitismo e em proveito de todos os produtores.[17]

O sindicalismo revolucionário visto como um ideal de sociedade futura, além de se colocar como um veículo de luta e reivindicação, se punha como a base da nova sociedade. Ao proclamar a abolição do Estado, propunha a consolidação do Sindicato enquanto célula organizativa social.
Outra marca do sindicalismo revolucionário era a tentativa de não estar identificado com uma tendência política especifica, quer socialista, quer anarquista, mas sim se valorizando como entidade operária e radical. Embebido por tal ótica o militante Neno Vasco, novamente afirma, “Os anarquistas conscientes não pretendem que um sindicato se declare artificialmente anarquista. Se o fizessem, ou só ficariam nele os anarquistas, sem ter, portanto a utilidade particular do agrupamento de interesses, do sindicato (...)”.[18]
Sobre as origens do sindicalismo revolucionário, a historiadora Edilene Toledo, conclui:

A base e o fundamento do sindicalismo revolucionário era o texto aprovado no congresso da CGT (Confédération Générale du Travail) francesa em 1906. Ele afirmava a independência do sindicalismo em relação ao socialismo e ao anarquismo. Seus objetivos centrais eram organizar os trabalhadores na defesa de seus interesses morais, econômicos e profissionais, sem associar essa luta a qualquer partido ou tendência política. A FOSP considerava que esses princípios predominantes na CGT francesa poderiam ser aceitos por qualquer membro de um grupo socialista, fosse ele socialdemocrata, anarquista ou adepto de outra corrente, e julgava que o sucesso do sindicato estava em sua autonomia. Este era, sem dúvida, um esforço para atenuar os conflitos existentes entre os operários e, por isso, todas as doutrinas deveriam ter a mesma tolerância: dentro do sindicato todos eram operários. Fora dele, os trabalhadores poderiam se associar ao grupo que mais lhes agradasse.[19]

Os reflexos de tal concepção seriam mais tangíveis no Brasil a partir de 1906 mediante a realização do Primeiro Congresso Operário no Brasil, sediado no Rio de Janeiro. Todavia, a consolidação do sindicalismo revolucionário no Brasil se dá com o inicio das atividades da Confederação Operária Brasileira (COB) em 1908.
O Primeiro Congresso Operário no Brasil em sua pauta propunha discussões sobre orientação e organização política do operariado tento como mote às diretrizes da CGT francesa, ou seja, do sindicalismo revolucionário. Sobre o mesmo o jornal anarquista A Plebe escreve: “nas teses apresentadas para debates e aprovadas, (...) ficou evidente as preferências dos trabalhadores por um sindicalismo revolucionário, anti-militarista, apolítico e o ensino laico. Seguidamente, discutiu-se a fundação da Confederação Operária Brasileira, cuja aprovação foi votada imediatamente (...)”.[20] Outro aspecto interessante levado à discussão pelo Congresso era a preocupação com o “Operário Agrícola”, visto pelo grupo como uma categoria, vilmente mais explorada do que o trabalhador fabril, outrossim, a organização das mulheres operárias em sindicatos de resistência. Desta forma:

O 1º Congresso Operário aconselha o proletariado a organizar-se em sociedade de resistência econômica, agrupamento essencial, e sem abandonar a defesa, pela ação direta dos rudimentares direitos políticos de que necessitam as organizações econômicas, a pôr fora do sindicato a luta política especial de um partido e as rivalidades que resultariam da adoção, pela associação de resistência, de uma doutrina política ou religiosa, ou um programa eleitoral.[21]

Enquanto porta-voz da Confederação Operária Brasileira (COB), nascida do Primeiro Congresso Operário, era criado o periódico A Voz do Trabalhador que iniciava sua lide em 1 de julho de 1908 indo até 8 de junho de 1915. Jornal informativo que mesclava notícias nacionais e internacionais, tratando de assuntos como greves, repressão policial, carestia de vida, boicotes – como o perpetrado contra os moinhos Matarazzo de São Paulo -, até crítica dos costumes, tal como a condenação do carnaval, e ainda discussões acerca da reforma ortográfica.
O Jornal em sua apresentação do primeiro número afirma:

O que desejamos, e havemos de conseguir, custe o que custar – é a emancipação dos trabalhadores da tirania e exploração capitalista, transformando o atual regime econômico do salariato e do patronato num regime que permita o desenvolvimento de organizações de produtores – consumidores, cuja célula inicial está no atual sindicato de resistência ao patronato.
Como meio prático, como método de luta para alcançar tal desideratum, adotará e usará o sindicalismo revolucionário.
[22]


Para tanto o poder de propaganda de A Voz do Trabalhador estava em sua amplitude, como podemos perceber diante de menções em suas páginas a atos e feitos em terras catarinenses – região esta de diminuta presença operária -, tais como o jornal anticlerical de Florianópolis O Clarão e a organização União Operária de Laguna.


Guerra á Guerra!

Diante do clima de tensões entre nações que investiam na “Paz Armada”, enquanto diplomacia do pré-Guerra, a Confederação Operária Brasileira (COB), através de seu jornal A Voz do Trabalhador, que ressurgia[23] em janeiro de 1913, se punha contra o ideal belicista.

A ameaça duma conflagração européia paira ainda, sinistramente, sob os céus do velho mundo.
Por isso o proletariado europeu, o maior, ou o único sacrificado, no caso de rebentar a hecatombe, agita-se, formidavelmente, procurando impedir por todos os modos os projetos diplomáticos das grandes potências.
E a França, a França proletária, a sentinela avançada das forças revolucionárias, sobressai nessa agitação, como um empecilho sério diante da vontade dos governos em levar avante o que eles chamam, com propriedade, uma “sangria no movimento revolucionário”.[24]

Assim, frente uma guerra iminente a CGT francesa mediante deliberações acordadas em congresso, lançava o brado internacionalista: “Abaixo a Guerra entre os povos!”.
O historiador Paulo G. Fagundes Vizentini, tece o seguinte panorama sobre o período da “Paz Armada”:

Os diversos governos europeus intensificaram a preparação militar, baixando leis, incrementando a produção de novos armamentos (sobretudo canhões de grande calibre, metralhadoras e os encouraçados Dreadnough) e reorganizando os exércitos, particularmente com a ampliação do serviço militar. Além disso, multiplicam-se por todos os países as manifestações chauvinistas e militaristas. Em Berlim fala-se na necessidade de uma guerra preventiva, e o cenário para ela já está montado.[25]


E diante deste palco, o primeiro ato do drama, era “encenado” em 28 de julho, com a declaração de guerra da Áustria sobre a Sérvia, em represália ao assassinato de seu herdeiro imperial Francisco Ferdinando, morto pela organização Sérvia, Mão Negra. Para tanto no início de agosto a Guerra encontrava-se generalizada, iniciando “o Deus Marte (...) sua dança de morte”.[26]
Desta forma, em 5 de agosto de 1914, A Voz do Trabalhador, em letras chamativas apresenta “A CALAMIDADE UNIVERSAL! O operariado do Brasil, presente a emergência que faz sobrenadar em sangue a Europa quase inteira, declara-se solidário com os sacrificados trabalhadores europeus, nesta fase dolorosa para a história rubra do proletariado”.[27]
Se opondo a conflagração européia, este jornal, ao tratar do estopim da Guerra, - o atentado contra o arquiduque da Áustria -, tece analogias entre o jovem Gavrilo Princip e o Brutos da Roma Antiga.

Lembremo-nos de que Bruto é hoje pela história considerado como o libertador de Roma da tirania de César.
E que nos dirá que, ao sérvio Prinzip, a quem hoje com desprezo e rancor se chama assassino, a História o cognominará o precursor das futuras liberdades para o seu povo?
[28]


Assim, escrevia o anarquista Antonio Pinto Quartim, militante que ainda contribuía com o periódico anarquista A Vida,[29] o qual também se colocava contra a Guerra, sobre o mesmo encontramos anúncios de divulgação a partir de 1915 em A Voz do Trabalhador e vice-versa.
Para tanto é importante registrar que o periódico A Vida, nascia num momento de conturbadas discussões. Surgido no final de 1914, enquanto a Europa se digladiava, dividindo opiniões e posturas, inclusive entre sindicalistas revolucionários e anarquistas. Personalidades como Peter Kropotkin, Charles Malato, Jean Grave e Alceste de Ambris, tomariam posições a favor da Tríplice Entente, vista como um “mal menor” frente uma possível vitória Alemã que acarretaria na propagação do bismarckismo e do militarismo prussiano.
Debate que ganharia destaque nas páginas de A Vida:

Si a guerra européia produziu e continua a produzir um grande número de males, dela resultaram e hão de resultar alguns bens; entre estes sobressai pelo seu valor moral a discussão surgida no meio anarquista sobre a atitude de alguns camaradas de renome, tais como Kropotkine e Malato, etc. que aconselham os anarquistas a investir no conflito a favor de uma das partes beligerantes.
Esta questão que veio submeter de novo e apaixonadamente os princípios básicos do anarquismo a uma analise acurada pelos próprios anarquistas, fez ressaltar a seguinte verdade: só o anarquismo é capaz de formar indivíduos de mentalidade bastante livre para só aceitarem como certo o que o livre exame demonstra ser tal.
[30]


Considerações que saiam das mãos do anarquista Francisco Viotti, que conjuntamente com o professor e libertário José Oiticica dirigiam a revista A Vida.
E nas agitações de épocas de guerra, A Voz do Trabalhador por vezes destacaria em suas páginas a dificuldade de se ter acesso a informações precisas sobre o conflito que se travava na Europa. Dificuldades que segundo eles, eram acarretadas mediante o monopólio das linhas de comunicação pelos governantes, ou ainda, “(...) devido aos interesses e a ignorância dos agentes gerais e particulares, os telegramas só vagamente e raramente deixam escapar notícias a tal respeito”.[31]
Todavia o periódico embasado no pensamento antimilitarista estampava sua ojeriza pelo conflito:

Continua a matança. Os exércitos – os grandes fieis da burguesia decrépita – continuam o mutuo massacre. São centenas de milhares, são vários milhões de homens – de homens: ah! Que escárnio!... – engalfinhados uns contra os outros, a trucidarem, num delírio louco de sangue, de mais sangue... num vendaval furioso e desabalado de destruição, só de destruição e nada mais que de destruição...
A matança continua. O matadouro estupendo está em plena função. E por quanto tempo mais?
[32]


Desta forma, noticias de manifestações “antiguerreiras” que se projetavam na França, Hungria, Bélgica e Portugal eram vistas com animação. De Budapeste, é registrado um ato possivelmente ocorrido em 29 de julho, em que expõe: “efetuou-se uma grande manifestação socialista de protesto contra a guerra. Foram fuzilados dois organizadores dessa grande manifestação pacifica”.[33] Na mesma página acerca das manifestações realizadas em julho em Paris o periódico escreve:

PARIS, 27 - Promovidas pelos sindicalistas, realizaram-se esta noite manifestações contra a guerra nos grandes “boulevards” e na praça da República. Os manifestantes, soltando gritos de abaixo a guerra, quiseram formar em coluna, mas a polícia interviu e dispersou-se depois de algumas desordens. Efetuaram-se algumas prisões.
PARIS, 28 – As manifestações contra a guerra continuaram pela noite adiante até muito tarde. Os manifestantes, cada vez mais numerosos, tentaram novamente formar grupos que a polícia dispersava imediatamente. A meia noite estavam definitivamente dispersados os manifestantes. São em grande número as prisões efetuadas pela polícia, da qual alguns feridos.
[34]


No Brasil, os sindicalistas revolucionários e anarquistas também se mobilizavam, promovendo comícios de protesto contra a guerra, como o realizado em 13 de setembro de 1914 em vários estados brasileiros (entre eles Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Pernambuco e Minas Gerais) organizado pela Confederação Operária Brasileira (COB).
Sobre a política de comícios contra a guerra A Voz do Trabalhador, divulga e conclama:

Tem continuado, na medida das nossas forças, o movimento iniciado contra a guerra, a favor da estabilidade da paz na Europa. (...).
A Comissão Popular de Agitação Contra a Guerra, dando cumprimento á sua missão, organizou três comícios públicos, realizados respectivamente nos domingos 11, 18 e 25 de abril. (...).
Para hoje, 1º de maio, ás 3 horas, está marcado um grande comício no largo de São Francisco (...).
[35]


Trabalhadores que movidos pelos sentimentos de solidariedade - para com os trabalhadores europeus envoltos pela Grande Guerra -, abdicavam do domingo (um dia de descanso), para irem as ruas manifestar-se contra guerra, almejando ver o povo brasileiro se opor contra a flagelação militar que varia a Europa.
Outro acontecimento contra a guerra européia que ganha atenção em 1915 no meio operário é um documento de solidariedade ao Congresso Internacional Pró-Paz em Ferrol, organizado pelo Ateneu Sindicalista da Galiza. Proibido pelo rei espanhol Afonso XIII.
Dos três delegados brasileiros que haviam se dirigido para o evento, após detenção e expulsão para Portugal, só dois dos militantes libertários chegariam às terras portuguesas. João Castanheira, um dos delegados brasileiros seria morto em Galiza, crime que ficaria sem grandes esclarecimentos.
Ainda “Contra a Guerra”, seriam organizadas conferências como a efetuada por Juana Buela - companheira de João Castanheira -, em 17 de setembro de 1914, no Centro Cosmopolita, que se intitulava: A guerra, suas causas e seus resultados. Instigando a reflexão a conferencista expunha: “que civilização é esta que quer pelo fogo de seus canhões e pelo aço de suas espadas obrigar povoações inteiras a se submeterem ao seu domínio!”.[36]


Entre tiros e explosões, vidas pulsam.

Enquanto marco sangrento entre o velho e o novo mundo, A Primeira Guerra Mundial forjaria a forma inicial do século 20, este “breve século” como ousou chamá-lo o historiador inglês Eric Hobsbawm. Revelando batalhas que para além das trincheiras conflitavam com o ser e estar em civilização. E nesta esteira, anarquistas e sindicalistas reivindicavam a virtus humana da solidariedade em oposição ao vício nacionalista e ao prejuízo da guerra. Valendo-se de um dos seus maiores recursos que era a palavra, há tempos imortalizada por Gutenberg. Desta forma, através de seus periódicos estes pensadores antimilitaristas, forjariam ações e evocariam a valorização da liberdade e da vida, para além de uma bala de canhão em fronteiras de arame farpado em terras ditas “inimigas”.

* Nome emprestado da obra homônima do escritor inglês Ernest Hemingway.

[1] REMARQUE, Erich Maria. Nada de Novo no Front. São Paulo: Abril Cultural, 1981. p. 110.
[2] Entre estas novas tecnologias tem-se: metralhadoras, lança-chamas, granadas, minas, encouraçados, submarinos, gases tóxicos, tanque de guerra, dirigíveis e aviões como o handley page 0/ 400 e albatros D. III.
[3] HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos. O breve século XX. 1914 – 1991. 2ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 33.
[4] FREIRE, João. Anarquistas e Operários. Porto: Afrontamento, 1992. p. 328.
[5] TOLSTOI, Leon. Resistência ao serviço militar. In: WOODCOCK, George. Os Grandes Escritos Anarquistas. 4ª ed. Porto Alegre: L&PM, 1990. p. 190.
[6] Idem. A Insubmissão. São Paulo: Imaginário, 1998. p. 49.
[7] Idem. Guerra e Paz. Vol. 1. São Paulo: Ediouro, 2002. p. 50.
[8] RODRIGUES, Edgar. Um século de História Político-Social em documentos. Vol. 2. Rio de Janeiro: Achiamé, 2007. p. 105.
[9] GÓES, Maria Conceição Pinto de. A Formação da Classe Trabalhadora. Movimento anarquista no Rio de Janeiro, 1888 – 1911. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988. p. 78/ 79.
[10] A Voz do Trabalhador, Ano I, nº 1 de 1 de julho de 1908. In: A Voz do Trabalhador: orgam da Confederação Operária Brazileira: coleção fac-similar de 71 números, 1908 – 1915. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado: Secretaria do Estado de Cultura: Centro de Memória Sindical, 1985.
[11] A Voz do Trabalhador, Ano I, nº 7 de 6 de dezembro de 1908. Op. Cit.
[12] A Voz do Trabalhador, Ano I, nº 4 de 15 de agosto de 1908. Op. Cit.
[13] A Voz do Trabalhador, Ano II, nº 16 de 3 de agosto de 1909. Op. Cit.
[14] GÓES, Maria Conceição Pinto de. A Formação da Classe Trabalhadora. Movimento anarquista no Rio de Janeiro, 1888 – 1911. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988. p. 80.
[15] NETO, Oscar Farinha. Atuação Libertária no Brasil. A Federação Anarco-Sindicalista. Rio de Janeiro: Achiamé, s/d. p. 34.
[16] A Voz do Trabalhador, Ano I, nº 8 de 13 de janeiro de 1909. Op. Cit.
[17] VASCO, Neno. Concepção Anarquista do Sindicalismo. Porto: Afrontamento, 1984. p. 92.
[18] Idem. Ibidem.. p. 93.
[19] TOLEDO, Edilene. Anarquismo e sindicalismo revolucionário. Trabalhadores e militantes em São Paulo na Primeira República. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004. p. 49/ 50.
[20] RODRIGUES, Edgar. Socialismo e sindicalismo no Brasil. Rio de Janeiro: Laemmert, 1969. p. 116.
[21] Idem, Ibidem. p. 121.
[22]A Voz do Trabalhador, Ano I, nº 1 de 1 de julho de 1908. Op. Cit.
[23] O periódico iniciou sua circulação em 1 de julho de 1908 indo até 9 de dezembro de 1909, totalizando 21 números. Após um intervalo de 3 anos reaparecia em 1 de janeiro de 1913 continuando com o número 22 sua luta em prol do sindicalismo revolucionário e do antimilitarismo.
[24] A Voz do Trabalhador, Ano VI, nº XXIII de 15 de janeiro de 1913. Op. Cit.
[25] VIZENTINI, Paulo G. Fagundes. Primeira Guerra Mundial. Relações Internacionais do Século 20. Porto Alegre: Ed. da Universidade/ UFRGS, 1996. p. 41.
[26] Idem, Ibidem.. p. 42.
[27] A Voz do Trabalhador, Ano VII, nº 60 de 5 de agosto de 1914. Op. Cit.
[28] Idem.
[29] Este periódico em formato de revista surgia no Rio de Janeiro em 30 de novembro de 1914.
[30] A Vida, Ano I, nº 6 de 30 de abril de 1915. In: A Vida: Periódico Anarquista: coleção fac-similar de 7 números, 1914 – 1915. São Paulo: Ícone: Arquivo Histórico do Movimento Operário: Centro de Memória Sindical, 1988.
[31] A Voz do Trabalhador, Ano VII, nº 61 de 20 de agosto de 1914. Op. Cit.
[32] A Voz do Trabalhador, Ano VII, nº 62 de 5 de setembro de 1914. Op. Cit.
[33] A Voz do Trabalhador, Ano VII, nº 61 de 20 de agosto de 1914. Op. Cit.
[34] A Voz do Trabalhador, Ano VII, nº 61 de 20 de agosto de 1914. Op. Cit.
[35] A Voz do Trabalhador, Ano VIII, nº 70 de 1 de maio de 1915. Op. Cit.
[36] A Voz do Trabalhador, Ano VII, nº 63 de 1 de outubro de 1914. Op. Cit.

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