segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009


Outrora...

OUTRORA havia a esperança, o luxo e a paixão
de correr o olhar ao longe
e ver tua cabeleira e nossa bandeira ao vento!

OUTRORA a volúpia era
exatamente como o golpe de um machado sobre o tronco:
presente... certeira e certa!

OUTRORA todos os teatros tremiam e incendiavam-se
sob o arremesso das palmas e do gozo anárquico
que sobre ti pendiam!

OUTRORA os musgos e as tarântulas
abriam espaço para tuas delicadas pisadas
e o outono tremulava a superfície do lago
e vertia Wodka para teu deleite!

OUTRORA eu corria meu olhar ao longe
e te via chegando...
elegante como um astro
pecadora como Messalina
triste como uma antiguidade
e revolucionária como uma tempestade!

Ah, agora tudo se resume numa sombra
numa vaga memória de tuas linhas
e no Caos sem remédio de nossa causa!

Levante esse olhar
para que o Arco-Iris da manhã te veja
e não fujas pelas brechas infames do "poder"...
pois a vida é breve, um sopro no tempo
e nossa paixão vai além, muito além
de todos os "porta-vozes" do mundo!
(Depois disso voltarás a me amar, não é verdade?)

* Poema atribuido a autoria de Mikhail Bakunin, escrito a uma de suas amantes.
Extraído da destemida (porém extinta) Revista Víbora, criada nos anos 80 em Brasília por Ézio Flavio Bazzo e provocadores afins.

domingo, 22 de fevereiro de 2009


Okupar é Resistir!


Originário da contra-cultura dos anos 60, o movimento squatter ganhou o mundo com seus ideais de solidariedade e afronta aos valores do sistema capitalista.
Adriano Belisário

Em toda grande cidade, o abandono de imóveis contrasta com a massa de desalojados. Enquanto sem-tetos buscam abrigo pelas ruas, proprietários mantêm suas posses vazias com a esperança de vendê-las no futuro por um preço vantajoso. Geralmente ignorada pelo poder público, a especulação imobiliária não passa desapercebida pelos squatters. Nascido na contra-cultura européia dos anos 60, este movimento ocupa espaços urbanos ociosos para neles construir verdadeiros centros de resistência cultural.
Formado basicamente por anarquistas, punks, hippies e comunistas, o movimento squatter luta contra aquilo que os pesquisadores chamam de gentrificação. Trata-se de um processo de enobrecimento dos espaços urbanos, que ocorre principalmente em pontos centrais das cidades. A gentrificação ocasiona a remoção dos moradores de áreas consideradas degradadas em prol da recuperação econômica do local.
Por sua vez, os squatters promovem outro tipo de revitalização. Após limpar o prédio abandonado, eles instalam serviços básicos, através de “puxadinhos” de água, luz e gás. No entanto, a ocupação só é completa quando o local passa a ser sede de atividades culturais, como a instalação de bibliotecas, mostras de teatro e poesia e rádios clandestinas. Eis, então, um autêntico squat. A legalidade de seu funcionamento varia de acordo com a legislação do país. Enquanto em muitas regiões a prática é considerada ilegal, na Holanda, por exemplo, prédios abandonados por longos períodos podem ser ocupados sem problemas judiciais.
Os squatters também são conhecidos como okupas. Entre eles, o termo "ocupação" é grafado com K para diferenciar suas intervenções das outras, marcando o caráter políticos de seus atos. A letra remete ainda à cultura punk, que, ao lado do anarquismo, forneceu as diretrizes básicas do movimento squatter. As ocupações são feitas em regime de autogestão, sem chefes ou líderes. Para os squatters, a construção de um espaço alternativo baseado em princípios de solidariedade e respeito mútuo é uma forma de resistir ao pensamento capitalista, centrado nas noções de propriedade privada e na massificação cultural.
Para quem acredita que anarquia é sinônimo de bagunça, não faltam exemplos de organização squatter para provar o contrário. Em Londres, ficou famoso o caso do Squat 121 Center, que após 18 anos de existência foi desativado em 1999. Nele, entre outras atividades, os okupas realizavam ações de amparo à população pobre da cidade. Em relato à Revista Dynamite, Kuru, brasileiro ex-membro do squat inglês, afirma que o grupo era formado em grande maioria por revolucionários e pessoas ligadas à causa ecológica. “A gente ia aos lixos atrás dos supermercados e feiras. Pegávamos tudo o que eles não queriam mais. Era muita comida. Às vezes cozinhávamos para quase 100 pessoas”, conta.

Pesquisador da Universidade do Estado de Santa Catarina, Cleber Rudy estuda o movimento squatter e é autor de artigos sobre o tema. Em entrevista concedida ao site da Revista História da Biblioteca Nacional, Cleber comenta a atuação destes grupos no Brasil.
Revista História - Na década de 60, surgiu na Holanda o movimento Kraker, que possuía atuação bastante semelhante aos squatters. Qual a sua influência na construção dos squats?
Cleber Rudy: A política squatter é fundamentada no movimento punk-anarquista, compondo uma espécie de simbiose squatter-punk. A máxima holandesa dos anos 80, “um punk é um squatter e vice-versa”, ainda que de forma amena, é também seguida no Brasil. Neste sentido, apesar dos squatters brasileiro não agregarem os dispositivos de resistência (rádios clandestinas, revistas, livrarias, advogados especializados, etc) utilizados nas ocupações dos krakers, este movimento holandês tornou-se um forte referencial de luta para os ativistas nacionais. Por exemplo, em Curitiba, o squat Payoll mantinha uma distribuidora de livros e de outros produtos chamada Kraakers, em homenagem ao movimento dos anarquistas sem-teto de Amsterdã.

RHBN – Os squatters surgiram no Brasil na década de 90. Antes disso, há registro de grupos que promoviam a ocupação sistemática de imóveis abandonados?
Cleber: Antes disso, o que se pode constatar são alternativas comunitárias que tinham como peculiaridade o perímetro rural, embasadas em princípios ecológicos ou esotéricos e envolvidas pela contracultura hippie. Todavia, os squatters voltaram-se para as áreas urbanas, optando por permanecer nas cidades e buscando soluções ali mesmo, já que eram compostos por punks (outro movimento urbano) motivados por perspectivas anarquistas. Eles buscavam saídas diante da especulação imobiliária, defendendo novas maneiras de pensar e agir como forma de resistência à organização capitalista da vida urbana, principalmente nos grandes centros.

RHBN – Quais os principais grupos ainda existentes no Brasil? Como suas atividades são vistas pela mídia e pelo poder público?
Cleber: Existem espaços que ainda resistem. Em Atibaia, interior de São Paulo, há a Casa Reciclada. Na periferia de Curitiba, temos a Kaazaa, um dos espaços mais antigos no Brasil, que já completou 13 anos de ocupação. Em Blumenau, há o Corcel Negro. Em Porto Alegre, a Kasa de Kultura. É muito raro a grande mídia dar cobertura a estes movimentos e à trajetória destas experiências. Isto praticamente só ocorre durante as ações de despejo. Todavia, os squatters possuem seus próprios dispositivos de comunicação e divulgação, como os zines, pequenos jornais feitos de forma artesanal e com uma tiragem reduzida. Eles intercambiam informações entre grupos nacionais e internacionais, relatando atividades e organizando encontros de confraternização entre okupas.
Como o movimento squatter se coloca na contra-mão do estabelecido ao desafiar interesses imobiliários e políticas urbanas, o poder público tende a se mostrar hostil a tais iniciativas, não vendo distinções entre espaços ocupados com finalidade de atuarem como centros culturais e lugares usados como refugio para uso de drogas e depósito de furtos. Desta forma, o poder público acaba implementando uma legislação, como a efetivada em Curitiba em 1997, para sancionar o “lacramento completo de portas e janelas, proibindo a entrada de desconhecidos” em imóveis abandonados, visando, neste exemplo, coibir o squat Payoll.

RHBN – Além dos zines, a militância squatter utiliza também as novas tecnologias como forma de divulgar suas atividades?
Cleber: No caso do Movimento Squatter no Brasil, há ainda um certo receio na utilização de tais meios como um veículo de propaganda em favor da causa okupa. Aparentemente, tal desconfiança parece estar ligada a uma precaução face à represália policial, já que o ato de okupar implica em litígios jurídicos que revelam as dicotomias entre o direito à vida e o direito à propriedade, em situações em que se contempla um maior respeito ao direito de propriedade.
RHBN – Além dos embates com o poder público, os squatters enfrentam outros tipos de ataque?
Cleber: A causa squatter é abraçada grandemente por anarco-punks, ou seja, jovens que além de seguirem a cultura punk buscam na política anarquista um mote de embate social em defesa da liberdade, da igualdade e contra o capital, valendo-se da autogestão e da solidariedade. Do outro lado do cenário urbano há os skinheads, por exemplo. Trata-se de um grupo influenciado por ideologias nazi-fascistas. São grupos amparados em perspectivas de luta opostas.
Na defesa de um modelo social conservador, os skinheads praticam ações violentas contra segmentos questionadores destes princípios, entre os quais os squatters. Para se ter uma idéia dos embates entre squatters e skinheads, o squat Payoll de Curitiba foi alvo de duas bombas caseiras em 1998. Um de seus membros foi ainda esfaqueado nas redondezas da ocupação.

Saiba mais:Advisory Service for Squatters - Serviço de apoio ao movimento squatter
Publicado originalmente na Revista de História da Biblioteca Nacional (versão on-line) em 27 de agosto de 2008.

Espaço Cultural Alternativo - Squat de Florianópolis (1993)

Squat Payoll de Curitiba (1997-1999)

Cecília, uma Colônia Anarquista

No final do século 19, imigrantes italianos em terras paranaenses efetivavam no Brasil um primeiro estágio das perspectivas anarquistas, via a constituição de uma colônia, a Colônia Cecília. Evocando a possibilidade de transformação social, os anarquistas, ou libertários, se punham no combate ao autoritarismo e a opressão e em defesa da liberdade enquanto bem maior.
Neste sentido, o mentor da colônia anarquista, Giovanni Rossi, escrevia: “peço a sua ajuda na seleção de novos adeptos para a Colônia. Esta arregimentação de colonos que são antes fugitivos da fome do que anarquistas só trouxe problemas para os que acreditam na experiência da Cecília. Não precisamos mais desses desesperados do destino, que encontram nos anarquistas uma possibilidade de conseguir imigrar, valendo-se de nossos precários recursos. Queremos trabalhadores convencidos de nosso ideário e com bom caráter.” Estas preocupações, aliás, são registradas por Miguel Sanches Neto em seu romance Um Amor Anarquista, obra que trata desta experiência anarquista, efetuada em terras paranaenses entre os anos de 1890 e 1894.
Giovanni Rossi, também conhecido por Cárdias era anarquista e engenheiro agrônomo, natural de Pisa na Itália, e mentor da colônia libertária erigida em Palmeiras, no Paraná. Anos antes tentara na Itália, na região de Cremona, uma experiência comunitária similar conhecida como Cittadela. Na Itália, era ainda responsável pelo semanário socialista Lo Sperimentale, que tratava de discutir experiências sociais de caráter comunitário. Movido pela idéia de que um novo mundo seria possível na América, Rossi junto com outros idealistas seguiu para o Brasil, para aqui dar vida à experiência comunitária de Cecília.
Assim, em terras compradas do governo brasileiro (a serem pagas em cinco anos), nascia esta colônia que chegou nos melhores tempos a abrigar até 250 pessoas, que sobreviviam mediante um sistema de produção coletivo, baseado no trabalho inorganizado (espontâneo), enquanto a distribuição da produção dava-se pela necessidade de cada membro. Para tanto, Candido de Mello Neto – descendente de uma das famílias que viveram na colônia -, em O Anarquismo Experimental de Giovanni Rossi escreveu: “Quanto aos alimentos existentes em maior quantidade, havia liberdade em seu consumo; os mais raros, ou mais saborosos, eram racionados em partes iguais. Os doentes recebiam privilegiadamente a comida e a bebida mais delicada. A caixa social permanecia sempre aberta, mesmo após o único roubo ocorrido. Com a concordância de todos, esta estabelecido que o abandono da Colônia não propiciava quaisquer direitos de reclamação quanto a bens materiais”.
Desta forma, a experiência de viver anarquicamente requeria modificações dos costumes e hábitos, exigindo dos envolvidos a superação dos antigos vícios de uma sociedade solidificada em relações egoístas. E neste sentido, o amor livre foi uma nova concepção de amar, levada a cabo na colônia por Aníbal, Eleda e Rossi. E nesta perspectiva o amor, visto como espontâneo, era movido pelo ânimo de estar ao lado de que quem se gosta sem a implicação de contratos ou obrigações. Sobre tal ímpeto amoroso em Cecília, Rossi comenta: “quando, (...) todos viram o modo respeitoso com que tratei Eleda e que as atitudes desta não deixaram, em nenhum momento, de ser afetuosas com Aníbal e reservadas comigo, quando viram a amizade fraternal entre Aníbal e eu, movida pelo objetivo comum de tornar agradável a vida de Eleda, quando, em suma, perceberam que o amor livre não é a vulgaridade animalesca e sim a mais alta e agradável expressão da afetividade, dissiparam-se até as últimas hesitações”. O nome da colônia, inclusive, tinha sua origem numa personagem de uma das obras de Cárdias, “Uma comuna socialista”, uma aventura a três, vivida entre Cecília, Rossi e um amigo.
Todavia, muitas eram as dificuldades para um laboratório social como Cecília, como integrantes que debandavam, buscando melhores condições de vida, integrando-se como mão-de-obra em cidades vizinhas. Entretanto Candido de Mello Neto afirma: “a Colônia não caiu por ter sido comunista e muito menos por ter sido anárquica, mas porque era pobre e era pobre porque começou com pouquíssimos meios, com pessoas incapazes para os trabalhos agrícolas, estando em meio a uma vida que lhe era economicamente estranha”.
Dissolvida a colônia libertária em 1894, muitos dos seus membros ao migrarem principalmente para Curitiba ou Porto Alegre, contribuíram para a organização do movimento operário segundo perspectivas anarquistas. Em Curitiba pelas mãos do egresso, Egízio Cini surgia em 1899 o periódico anarquista Il Diritto. Mais tarde dava alento a fabricação de bebidas, entre estas o refrigerante Cini, ainda hoje existente, mas que poucos sabem ter nascido do pioneirismo de um anarquista outrora integrante da Colônia Cecília.
Giovanni Rossi, o “pai” da experiência anarquista, após curta estadia em Curitiba, rumou para o Rio Grande do Sul, vivendo posteriormente em Santa Catarina, porém esta é uma história, para um outro momento de prosa, entre um gole e outro de Cini.

Cleber Rudy



Filme ítalo-francês de 1975 que se reporta a experiência anarquista da Colônia Cecília
MILITÂNCIA, SEXO E AMOR:
Discursos e debates sobre sexualidades e papéis de gênero no jornal anarquista A Plebe no ano de 1935.

Ana Claudia Ribas
Mestra em História do Tempo Presente - UDESC





A nossa aspiração baseia-se no esquema anarquista da observação experimentando-a quem quiser, espontaneamente, sem subterfúgios de partidas, de partidos, ou na religião, a nossa escolha é filosófica-literária e marcha para a liberdade, para o amor livre e para a harmonia da espécie humana.

Trecho do texto assinado por F. Accuaviva,
para o Jornal A Plebe em 27/05/1935.


Muito presente entre os operários da indústria paulista e carioca – além dos demais centros industriais brasileiros - durante as primeiras décadas do século XX, encontrava-se as idéias libertárias do anarquismo, seja em greves e mobilizações, seja em lutas por melhores condições de trabalho e de vida para o operariado, ou ainda na discussão sobre a exploração imposta pelo capitalismo.
Os ideários anarquistas, nesse período de grande efervescência, tornavam-se ainda mais perceptíveis por uma imprensa muito ativa, que dentre as temáticas de cunho social que abordava, também trazia em seu interior interessantes discussões sobre o ser humano enquanto um ser global, cuja individualidade precisaria ser respeitada para que uma nova sociedade justa e igualitária pudesse, enfim, nascer. E é a partir dessa perspectiva que o tema sexualidade acabaria por surgir entre as discussões nos jornais anarquistas dessa primeira metade do século XX, uma vez que era compreendida como parte integrante da vida humana, e lugar onde também a liberdade individual também deveria existir [1].
Assim, muitos são os pontos em que o discurso anarquista, em seus periódicos, iria destoar dos demais discursos vigentes na sociedade brasileira, e por vezes, gerando conflitos entre os próprios discursos de militantes anarquistas, pois não se limitava a discutir questões ligadas apenas ao corpo feminino, mas preocupava-se, por vezes, em lançar olhares também sobre os corpos masculinos.
Muitos podem ser os fatores apontados para explicar a presença de tal tema nas páginas da imprensa libertária, mas certamente não há como se desconsiderar que a presença efetiva de mulheres como colaboradoras na produção desses periódicos, deve constar entre os mais significativos. Essa presença feminina não ocorre por acaso, uma vez que no Brasil, assim como em diversas outras partes do mundo ocidental, as mulheres passam a questionar as normas de conduta rígidas que lhes são impostas, assim como sua limitação à esfera privada [2]. Elas, a muito, já participam do mercado de trabalho. Na década de 1930 ganham seu primeiro espaço como eleitora. Já estão presentes nos círculos intelectuais, e a própria moda torna-se mais leve, mais prática, criando uma aura de “liberdade” aos modelos femininos.
O anarquismo acabou por fornecer um espaço político de luta pela emancipação feminina, assim como para uma participação efetiva das mulheres em seus planos de construção de uma nova sociedade[3]. E, neste contexto, algumas personalidades acabariam por destacarem-se, como é o caso da professora Maria Lacerda de Moura[4] que desponta no espaço público discutindo o lugar social destinado às mulheres e conseqüentemente, acaba por promover inúmeros debates sobre questões ligadas a sexualidade.
É interessante notar que, apesar do espaço destinado as mulheres dentro do movimento anarquistas na primeira metade do século XX não se tratar de um espaço de subalternidade[5], isso não significa que havia uma proximidade entre os libertários e libertárias com as feministas. Para os anarquistas o discurso de igualdade deveria ser ampliado, ultrapassando as discussões limitadas à questão sexual, a dominação masculina sobre a mulher, alcançando patamares onde fosse possível efetivar-se uma sociedade igualitária, tanto para homens quanto para mulheres.
Neste artigo, objetiva-se lançar olhares sobre o jornal anarquista A Plebe, analisando os números que saíram durante o ano de 1935, buscando perceber como, neste pequeno recorte temporal, e diante do contexto social e político que se descortinava como pano de fundo, os anarquistas e as anarquistas se posicionavam diante das discussões sobre as sexualidades e os corpos.
Ambiciona-se ressaltar a importância dos debates sobre corpo, moral e sexualidade na divulgação do projeto anarquista, mas de forma alguma se almeja esgotar esta discussão, uma vez que este trabalho é limitado, tanto ao recorte temporal, quanto em seu objeto de análise – pois se trata de apenas uma das muitas publicações anarquistas do período -, restando como objetivo apenas um breve olhar sobre este interessante tema, e deixando maiores aprofundamentos para trabalhos posteriores.

A Plebe e a militância

O periódico A Plebe, certamente pode ser citado como um dos mais conhecidos e importantes periódicos da imprensa libertária brasileira, tanto pela extensão do período de sua existência, como pela abrangência de sua circulação.
Fundado em junho de 1917 em São Paulo, em plena greve geral, tinha por objetivo servir como instrumento de divulgação das notícias desse conturbado momento, mas acaba firmando-se como importante divulgador da doutrina anarquista, mantendo sua circulação até o ano de 1949, com pequenas interrupções motivadas por perseguições policias e problemas financeiros.
Fundado por Edgard Leuenroth, o jornal teve vários redatores, desde o próprio Edgard, passando por Florentino de Carvalho, Manuel Campos, Pedro Augusto Mota e Rodrigo Felipe [6].
Na década de 1930 era Rodolfo Felipe quem dirigia A Plebe, em uma época em que ainda se podia sentir os abalos causados pela “revolução” de 30 e a chegada de Getúlio Vargas ao poder. Era época de intensa perseguição aos anarquistas. Evidentemente, estas perseguições não eram uma grande novidade para os militantes, entretanto foi neste período que inaugurou-se um diferencial, o DEOPS-SP [7] passou a funcionar intensa e sistematicamente, tornando mais arriscada a militância efetiva.
Entretanto, nos anos de 1934 e 1935, tanto o diretor do jornal Rodolfo Felipe, que havia sido preso algumas vezes, quanto o próprio periódico A Plebe, experimentaram um período de “sossego”.
No ano de 1935, muitos eram os temas abordados neste jornal, que iam desde propagandas dos princípios anárquicos, suas ideologias, seus posicionamentos anticlericais e anarco-sindicais, denúncias contra abusos policiais e prisões arbitrárias, informações sobre organizações e encontros sindicais e operários, informativos de greves - tanto no que se referiam a movimentos nacionais quanto no âmbito internacional -, convites para confraternizações e piqueniques entre os militantes da causa anarquista, operários e seus familiares, conferências, até críticas ao Partido Comunista, aos bolcheviques e aos integralistas. Entretanto também a questão da emancipação feminina e a participação das mulheres na vida pública são visíveis nesse momento dentro de A Plebe.
As influências sofridas pelos redatores(as) e colaboradores(as) de A Plebe são incontáveis, e algumas provenientes do movimento anárquico existente fora das fronteiras brasileiras, como é o caso da influência exercida por Emma Goldman[8], que muito inspirava as militantes engajadas em uma luta pelo emancipação feminina, seja por sua vida militante ou seja por seus escritos inspiradores.
Assim como Emma Goldman, muitas eram as mulheres que participavam como colaboradoras nos jornais anarquistas brasileiros, propondo-se a discutir questões sociais a partir do pensamento anarquista. Este engajamento feminino é perceptível em inúmeras passagens, de onde convém destacar algumas, por exemplo, o texto intitulado “Um apelo que deve ser ouvido”, assinado por Isa Ruti. Neste, a autora objetiva lançar uma campanha de auxílio financeiro ao jornal A Plebe, que constantemente encontrava dificuldades para manter sua periodicidade e circulação. Deste modo, “juntando a ação às palavras”, a decidida militante oferece a redação do jornal a quantia de “cinco mil réis, equivalente a duas entradas de cinema”, diversão de que está decidida a privar-se “em favor da ‘Plebe’”, desejando que sua atitude viesse a inspirar seus companheiros de militância. Assim, Isa Ruti conclui: “O meu coração sensível de mulher contém, armazenado muito amor pelo ser humano. Desse amor vou dispor para dar o que eu poderia dar, se fosse homem e fumasse, em beneficio da ‘Plebe’” [9].
É interessante notar que os preceitos de feminilidade, assim como, a clara distinção de entre homens e mulheres, é mantida no texto de Isa Ruti. Mesmo estando em um ambiente tipicamente masculino – o espaço público – ela não anseia, em seu discurso, por ‘masculinizar-se’, acabando por transformar a sensibilidade atribuída à mulher, em um fator crucial de sua militância, um diferencial que teria apenas a contribuir com o movimento anarquista. Isto se torna mais claro quando, no final de seu artigo, Isa Ruti descreve o desenvolvimento de “um trabalho sobre o tema – ‘O amor como fator de progresso humano’”, visando oferecer este “em palestra pública, em beneficio do jornal”.
É perceptível que não há interesse em discutir a construção social do papel de mulher ou homem na sociedade, isso em termos culturais, mas as relações de poder que acabam imbricadas nestas construções. Isso se deve ao ideal de igualdade e individualidade pregadas pela doutrina anarquista, que acaba por permitir as mulheres envolvidas no movimento, um diferencial de luta por sua emancipação, se comparadas as feministas em atividade neste mesmo período histórico.
Entretanto, a militância anarquista feminina, refletida nos discursos produzidos nas páginas de A Plebe, não pode ser homogeneizada, nem o modo “adocicado” de escrita de Isa Ruti, tomado como padrão. Textos mais inflamados, que visam incitar os seus leitores a um “levante revolucionário” propriamente dito, são assinados por mulheres, mostrando a grande diversidade que foi a participação feminina nas páginas deste periódico.
Um exemplo de discurso incitador seria o assinado por Juliette Witheatname:

Dum lado, os que querem dominar, avassalar os seres, utilizá-los para seus fins próprios; do outro, aqueles que tentam torná-los livres, de erguê-los contra todos os despotismos, venham não importa de onde: da vontade de um só ou da de um agrupamento promovido à carga de impingir à coletividade, editais ou leis. É o sopro desses rebeldes que emana a força que derrubou todos as regimes passados e que, amanhã solapará o regime atual em que vivemos, apesar da potência de que dispões na riqueza e na ordem estabelecida, protegidas pelo seu baluarte, o exército, e encostadas a sua fiel auxiliar, a religião.[10]

A homogeneização da militância anarquista feminina nas páginas de A Plebe torna-se ainda mais inviável se levarmos em consideração que além da questão de gênero que envolve a produção de discursos desse periódico, também a outra questão precisa ser considerada: a geracional. Textos de Maria Lacerda de Moura, que neste período já contava com uma idade bastante avançada, coexistem com artigos como o de Alba Moscalega, que além de expor sua opinião sobre os conflitos que ocorriam na Europa, explicita nas páginas desse mesmo jornal que conta com menos de doze anos de idade [11].
Percebe-se, então, um maravilhoso mosaico de personalidades e militantes que utilizavam o periódico para expressarem suas opiniões e difundir o ideário anarquista.

O homem, a mulher, a militância e o amor

Mesmo com a Constituição de 1934 e a inclusão das mulheres no processo eleitoral, e o surgimento de inúmeras vagas de trabalho que eram destinadas a elas –como datilografas, telefonistas, professoras, entre outras -, o espaço público ainda não estava completamente conquistado, uma vez que a mulher encontra-se amarrada a um modelo de família que não acompanhava estas mudanças pelas quais a sociedade passava. Diante deste impasse, os anarquistas percebem dois “problemas” que atravancavam a emancipação feminina: a prostituição e o casamento indissolúvel.
A prostituição era tema constante nas páginas de A Plebe, sempre apresentada como uma “calamidade muito antiga”, e como uma cruel forma de “exploração” feminina, para a qual a mulher é obrigada a recorrer diante do sistema capitalista. Tal abordagem fazia com que os anarquistas conseguissem, no campo discursivo, desvincular o problema da prostituição do campo moral, e ligá-lo ao campo social, afastando-se de possíveis consonâncias com o discurso religioso, por exemplo.
A crítica a prostituição, nos discursos veiculados por A Plebe, caminha paralelamente, chocando-se por vezes, com a crítica ao modelo de família burguesa nuclear, onde o homem destaca-se como o “cabeça do casal”.
Em um artigo publicado em março de 1935, e assinado por De Noedul, encontramos uma interessante discussão sobre o espaço da mulher nas famílias e o respaldo legal deste. O autor do artigo tece críticas ao fato de que em muitas civilizações a mulher tem basicamente dois papéis: o de dar prazer ao homem e de dar-lhe também filhos. Neste contexto, apresenta um interessante ponto de reflexão para seus leitores: “a legislação defende a ‘família’, não o indivíduo da família” [12]. Assim, qual seria a importância da família, se os indivíduos pertencentes a ela não são importantes? Para justificar essa explanação de não-defesa do indivíduo dentro do ambiente familiar, ele escreve:

Se uma das filhas é seduzida (no sertão brasileiro), perde o direito ao titulo de família e é considerada “mulher atoa”, isto é, perde o direito de se constituir família honesta e passa para o uso da coletividade masculina.(...)
Enquanto que o homem é considerado (pela lei) um ser dotado de inteligência e, portanto, suscetível de errar, a mulher é considerada um ser irracional (...). [13]

Apesar da indignação expressa no trecho acima, de modo algum o autor deste artigo desejava apresentar as mulheres enquanto vítimas das circunstâncias. Ele afirma nas linhas seguintes: “E de quem é a culpa, no entanto: da mulher (...)”. Apesar de iniciar seu texto apontado um descaso legal para com as mulheres, citando exemplos disso a partir do sertão brasileiro, o autor crê que apenas poderá haver algum tipo de mudança, não somente a partir de homens como ele, que percebem e indignam-se com a injustiça, mas a partir das próprias mulheres, que necessitariam construir uma nova consciência sobre seu espaço e seu papel social, engajando-se nas mudanças que seriam necessárias para uma sociedade mais justa.

(...) [A] própria mulher que esquecera o seu papel de companheira do homem, aceita, submissa, o papel de fêmea. Ela é que tem por seu próprio esforço de elevar-se até o homem emancipando-se, como os escravos o souberam também. [14]


Reafirma, ainda, com veemência a importância da participação da própria mulher em sua emancipação, a partir de um exemplo entre mãe e filho:

Os homens que a classificaram rebaixando-a, são filhos seus, foi ela que lhes ensinou as primeiras palavras, que “lhes mereceu” o primeiro sorriso e o primeiro amor. E, são “senhores, a julga-la, classificando-a como coisa e não como ser humano, é revelia dela própria que, incapaz de reagir recolhe-se em seu próprio sofrimento com a passividade do bruto.[15]

Assim, as mulheres apenas estariam fora das leis dos homens por vontade própria, por apatia, por passividade e por medo de levantarem-se contra sua própria submissão. Esse posicionamento é por vezes justificado, por exemplo, no discurso proferido pela militante apenas identificada pelas iniciais O. F. , por ocasião de um piquenique comemorativo organizado pelo próprio jornal, e que foi transcrito em suas páginas. Neste constata que “A sociedade não intervem entre escrava e senhor pra proteger a parte mais fraca e chamar a parte forte a razão (...)” e é neste exato ponto que o papel dos anarquistas na luta pela emancipação feminina tornava-se, de acordo com seu discurso, imprescindível: “Cabe a nós anarquistas, amantes da liberdade e da justiça reabilitar a mulher tão oprimida(...)”.[16]
O papel redentor do anarquismo apresentado nestes discursos é claro: a mulher não pode alcançar sua emancipação sem que ela própria assim o deseje, mas para que ela possa perceber as desvantagens de sua situação, precisa tomar consciência de seu lugar enquanto igual e companheira do homem. Assim, para que ela seja realmente capaz de “levantar-se” contra este modelo social seria necessário que esta mulher aperfeiçoasse-se moral e intelectualmente, e isso seria possível através da doutrina anarquista.
Deste modo, em muitos artigos de A Plebe é possível encontrar críticas a mulher como propriedade do homem, uma vez que a própria noção de moral anarquista baseava na idéia de liberdade, como podemos ver na frase a seguir, retirada de um artigo intitulado “A moral social na sociedade socialista libertária”: “A solidariedade é a primeira lei humana – dizia Bakounine[17] – a liberdade eis aí a segunda” [18].
E é com base neste preceito de liberdade, tão difundido pelos pensadores e ativistas anarquistas que se viria discutir o casamento indissolúvel - o modelo de família burguesa -, dentro das páginas de A Plebe.

Os conceitos morais de nossos avós já bruxuleiam como luz prestes a se apagar. Eram baseados na ignorância feminina conservada propositalmente para evitar esclarecimentos. Atualmente estas idéias fossilizadas existem nos países católicos, mas a irradiação dos conceitos novos, partidos dos povos mais adiantados, irão gradualmente iluminando a mentalidade feminina, que acordará envergonhada do longo sono em que permaneceu insciente do opróbrio que por séculos lhe pesou em cima. [19]

Era preciso lançar rapidamente novos posicionamentos políticos e morais que dessem conta da solução para o modelo de família nuclear baseado no casamento indissolúvel, assim como, para erradicar a prostituição. Era preciso apontar um novo espaço seguro para as mulheres, enquanto iguais e livres, como mandava a tradição anarquista. Assim inicia-se a difusão das teorias de amor livre e a educação sexual.
O amor livre era, em verdade, a crítica a família burguesa e a instituição católica do casamento, tachados de “superstição e egoísmo” de uma “vida em sociedade” [20]. Este amor livre estaria ligado ao direito ao amor como um sentimento natural, “menos a uma proposta de variação de parceiros, do que a crítica a institucionalização dos sentimentos em formas rígidas e envelhecidas” [21]. Era a maneira com que os libertários, assim como as libertárias questionavam a disciplinarização do amor e do sexo.

Nos entendemos amor livre o direito de amar livremente para ambos os sexos, o direito da mulher escolher livremente o eleito de seu coração, sem encontrar no caminho da suas inclinações os obstáculos da tirania paterna ou preconceitos de uma sociedade baseada na mentira religiosa, na mentira sexual e na mentira do amor.[22]

Nas páginas de A Plebe muitos discursos neste sentido foram proferidos por mulheres militantes, chamando os demais leitores a uma mudança de atitude em relação ao matrimônio indissolúvel, apontando para possíveis resistências de militantes anarquistas que, certamente sentiam-se desconfortáveis diante de tais afirmações.
O trecho a seguir foi assinado por Erna Gonçalves, em um artigo intitulado “Amor livre (a minha opinião)”:

Amigos! Nós, que somos unidos numa compreensão sã das coisas, que não nos escondemos quando ouvimos discutir questões do matrimonio e que, nas prostituídas, vemos vitimas de uma situação criada pelos absurdos da exploração de sentimentos, nossas irmãs, nossas companheiras, não podemos temer o amor livre, porque temos consciência dos nossos deveres, deveres de anarquistas.[23]

É interessante perceber que, para este artigo escrito por Erna, surge uma resposta escrita por outro anarquista que assinava como Amilcar, e que elogia a atitude da “camarada”, que teve “coragem para dizer em público que não temes o amor livre”, arrematando que “esta franqueza é admirável” [24].
Estas palavras induzem a conclusão que, apesar das discussões sobre amor livre estarem presentes nos jornais anarquistas desde o final do século XIX e o início do século XX, ainda não haviam alcançado uma grande adesão entres os militantes e as militantes anarquistas em 1935, estando mais restritas ao meio discursivo do que o prático. Mostrando a dificuldade existente, entre os próprios anarquistas, em romperem com a norma social estabelecida.
É interessante perceber que a justificativa mais forte para que o amor livre passasse a ser a regra do novo modelo de sociedade almejado pelo movimento anarquista, é a felicidade.

Há um ideal humano. Todos sentem esse ideal sem distinção de raças, sexos, idades, todos querem atingi-lo. Este ideal é a felicidade.(...)
É verdade que cada indivíduo tem um modo de encarar a felicidade. Justamente por isso só se pode ser feliz sendo livre.[25]


Não há dúvidas que o amor livre, neste momento histórico, apresenta-se como uma grande ruptura, especialmente para as mulheres, pois acaba por tirar da mulher um diferencial no âmbito social, de convivência e status: o título de “mulher honesta”. Mesmo que o amor livre prometesse o fim de seu sujeitar-se a “escravidão” de um casamento arranjado pela família, em um relacionamento sem amor, onde a mulher não era vista como uma companheira, uma igual na relação, significaria abandonar toda a educação burguesa que tivera (mesmo não pertencendo diretamente a esta classe) e perder a “respeitabilidade”, a “honra” diante do restante da sociedade. O amor livre propunha romper com a religião, o casamento indissolúvel, com as leis, e com a moral vigente.
Para que a mulher pudesse estar preparada para estas mudanças tão radicais, os anarquistas complementavam seu projeto de amor livre com o projeto de educação sexual, pois “Só assim faremos obra de educação e preparemos a mulher livre do futuro”[26].
Em A Plebe encontram-se resenhas de livros que tratam da Educação Sexual, a partir de uma ótica libertária, como por exemplo, o livro intitulado “Educação Sexual” de José de Albuquerque, onde comenta-se que “(...) por ser pecado, achavam que as moças e os rapazes deveriam ser criados com absoluta ignorância dos assuntos referentes ao sexo e as funções sexuais” [27], mas que proporcionar este tipo de educação, não seria banalizar o sexo, mas tornar possível um conhecimento que trouxesse segurança, tanto as famílias, quanto as jovens e os jovens, uma vez que estariam esclarecendo a estes sua própria sexualidade.
No entanto, a sociedade ainda encontrava-se receosa para este tipo de assunto dentro da âmbito familiar.

Ensinar os filhos como nascem e qual a razão de ser de certos fenômenos que se manifestam em seus organismos, evitando, muitas vezes, desarranjos que provocam verdadeiros infortúnios, era um crime, era a desonra, era levar a família à degradação e ao despudor... [28]

E conclui:

É uma gama de verdadeiros conselhos às mães, aos pais, e sobretudo aos jovens de ambos os sexos que é preciso cerrar de todos os cuidados e de todos os respeitos que merecem ao entrarem nos portais da vida em que vão ter uma função criadora.[29]


Além da divulgação de livros, haviam divulgações de eventos organizados pelo Circulo Brasileiro de Educação Sexual, que iam desde programas de rádio, distribuição de folhetos, até a Semana Paulista de Educação Sexual. Entretanto as atividades desse grupo não eram constantemente vistas com bons olhos pela sociedade e pelo governo do período, acarretando na proibição da exibição do filme “A Educação Sexual dos Diversos Períodos da Vida”, promovido pelo Círculo. Neste filme, além das informações sobre as diversas fases da vida do ser humano, também havia orientações de como evitar doenças, por exemplo, as “moléstias venérias” [30].
Estas campanhas pela educação sexual tão caras aos anarquistas, eram também seguidas por campanhas realizadas pela própria Igreja Católica, que desde 1931, com a sansão do Papa, proíbe formalmente os pais católicos e professores de esclarecerem os filhos ou alunos – de ambos os sexos - a respeito de assuntos sexuais, sendo que somente os padres ficariam autorizados, em casos urgentes, a dar explicações sobre o tema.
Esta normatização imposta pela Igreja Católica, assim como seus valores morais de pureza e castidade, eram constantemente motivo de pesadas críticas por parte dos e das anarquistas. Entretanto, estes militantes, mesmo que inconscientemente, partilhavam dos valores vigentes de sua época. Um bom exemplo disso, pode ser a resenha publicada em A Plebe, sobre o livro “Nancy – La de los ojos Pardos”, do autor Georges Cenardo.
De acordo com a resenha, este se trata de um romance, cujo personagem principal é uma moça chamada Nancy, “fruta apetitosa da cobiça dos homens”, que precisava “auxiliar a manutenção da casa de seus pais”, e que para tanto, sai em busca de trabalho. Entretanto, graças as seus atributos físicos acaba por ficar “entre dois dilemas terríveis: subir, ganhar posições cedendo aos desejos, as vezes degeneradas manifestações de temperamentos viciosos dos chefes, ou forçada a abandonar o trabalho” [31].
Entre os mais variados infortúnios de uma “sociedade burguesa”, Nancy “Passa por tudo isso como uma salamandra pelo fogo sem se queimar”, mantendo sua pureza e não se entregando sem amor. Ao final, como recompensa “ao seu martírio, Nancy encontra um moço bom que por ela se apaixona e a faz sua esposa” [32].
O final do romance aproxima-se do ideal de amor burguês, mas que é muito bem comentado no jornal:

Valha, porem, a intenção do autor que, num escrito poético e romântico faz nascer num pantanal de lama e vicio, de crime e vergonha, miséria física e moral, uma flor de pureza rutilante e imaculada.[33]


Seria a busca constante dos e das anarquistas, não pela liberação sexual, mas sim pela liberação dos sentimentos, indo contra a “sociedade onde o amor se vende e os sentimentos se prostituem” [34]. Não é um apelo a promiscuidade, muito pelo contrário, mas a busca por uma sociedade em que os sentimentos possam ser o principal motivo da vida a dois, e onde a mulher possa tornar-se parte ativa e respeitada, mesmo que o caminho para tanto seja repleto de dissonâncias e contradições.

O corpo masculino e a nova sociedade

Dentro do discurso anarquista expresso em A Plebe, a primeira impressão que se pode ter é de que o papel do homem está plenamente definido, e que resta então, discutir a questão feminina, o lugar da mulher nesta nova sociedade que está sendo idealizada.
Mas, em um olhar mais apurado, é possível perceber que há sim uma discussão sobre a sexualidade masculina, especialmente enquanto parte do processo reprodutivo humano.
Entre os anarquistas, especialmente na década de 1930, muito se discutia sobre a maternidade, não para negar o papel das mães, mas na defesa de que se tornar mãe poderia ser uma opção, e não uma obrigação. Assim, o momento mais propício e as melhores condições para a maternidade poderiam, e deveriam, ser escolhidas.
Muitos membros do movimento anarquista concordavam com este posicionamento, e promoviam discussões em prol da legalização do aborto. Outros, apesar de concordarem com a opção de se poder escolher o momento certo, tanto para a maternidade quanto para a paternidade, passam a discutir um método que julgavam mais seguro que o aborto - por ser este considerado o último recurso no controle de natalidade, uma vez que precisaria ser realizado mediante muitos cuidados e ainda nos primeiros meses de gestação –, eles discutem a vasectomia.
Em um artigo para A Plebe, Marques da Costa relata o drama vivido por alguns amigos e suas companheiras na Europa, que haviam sido presos pela polícia francesa sob a acusação de “provocação de abortos” e de “mutilação de órgãos genitais” – a vasectomia -, previsto no Código Penal Francês do período.
O texto, além de desejar fazer denúncia sobre a prisão dos anarquistas na Europa, este militante também acaba por homenagear as atitudes desses homens, tratando-os como exemplos para a cultura anarquista:

Que estas linhas, sejam pois, uma homenagem – bem merecida, por certo! – a fé inquebrável no ideal anarquista de que os companheiros Barthozeck, Prévotel e Lapeyre acabaram de dar prova, ao mesmo tempo que da propaganda dessa formula preconizada por Barthozeck de esterilização dos órgãos genitais do homem, que tem, indiscutivelmente, o direito de não assumir responsabilidades paternais, se as suas atividades político-evolucionárias fizerem dele um candidato a constantes perseguições, à prisão continua e a deportação e expulsão sistemática com que os governos de todos os paises se vingam dos que conscientemente e irredutivelmente os criticam e acusam e combatem.[35]

A busca por um controle da natalidade encontra apoio na premissa anarquista que rege seus discursos sobre sexualidade: a liberdade. Neste caso a liberdade de não precisar assumir as funções paternais, e poder estar dedicando-se totalmente a causa anarquista. Para tanto os métodos anticoncepcionais, assim como o aborto, são temas muito discutidos. O que convém ressaltar aqui, é a discussão sobre a vasectomia, que ainda na atualidade é vista com receio pela maioria dos homens. Entretanto, o autor do artigo afirma: que “a vasectomia – não está de mais repeti-lo – não é castração; não é a abdicação testicular” [36]. Esta é indubitavelmente uma discussão avançada para o período, especialmente para o Brasil.
O que é mais interessante perceber é que a vasectomia é vista como uma solução para o risco do aborto, além de ser também uma opção masculina contra a natalidade, sua livre opção de ser ou não pai.
Muito comumente encontra-se o discurso sobre o controle da natalidade que insidem sobre o corpo feminino, como se fosse apenas obrigação da mulher dar conta dos métodos anticoncepcionais ou decidir pela maternidade. Esta discussão proposta nas páginas de A Plebe mostra um interessante deslocamento, onde também os homens encontrar-se-iam aptos a decidirem pela geração ou não de uma nova vida. E se caso houvesse discordância entre o casal no que se referiria ao desejo ou não de se ter filhos, o amor livre seria a solução para o problema: “O homem que não quiser se pai pode evitar de o ser. A mulher que deseje, que anseie, que queira ser mãe, fica sempre o recurso de buscar um homem que a faça engravidar”, pois “somos partidários da liberdade”.[37]

Considerações Finais

Há muito ainda para ser explorado no que se refere ao corpo e a sexualidade dentro dos discursos anarquistas divulgados em sua imprensa libertária, e esta discussão não pode, de modo algum, ser vista como conclusiva ou acabada, o que torna o tema ainda mais interessante e sedutor.
No entanto, mergulhar nestes discursos é perceber que os anarquistas e as anarquistas compreendiam muito bem que o corpo também pode ser um modo de fazer política, e que a liberdade passaria, inegavelmente por ele, quebrando com a idéia de “corpos dóceis” para o trabalho e para a família, para a sociedade disciplinadora. Assim, temas como amor livre, maternidade, aborto, prostituição, vasectomia, não poderiam estar ausentes, de forma alguma, tanto em sua doutrina como em sua imprensa libertária.
Mas discutir o conteúdo desses discursos nos jornais pode trazer também algumas armadilhas, pois estes não refletem toda a discussão e o debate empreendido no meio anarquista do período. Exemplos são as discussões propostas pela professora Maria Lacerda de Moura, que em sua obra “A Mulher é uma Degenerada”, que discute a reivindicação do prazer sexual também pela mulher, o que não é visto com freqüência nos debates nas páginas de A Plebe. Este tema é substituído pela valorização do companheirismo e do sentimento em uma relação, em detrimento ao lado sexual, no que se refere ao prazer.
Obviamente, cada jornal libertário tinha seu público alvo, seus colaboradores, e seus objetivos que precisam ser considerados, o que vem abrir espaços para que se lancem inúmeros outros olhares sobre esta temática, que neste artigo, apenas pode ser levemente explanado, mostrando que as discussões atuais sobre sexualidade e corpo, não são tão inéditas quanto aparentam.

Referências Bibliográficas

GOLDMAN, Emma. O indivíduo, a sociedade e o Estado. São Paulo: Imaginário, 1998.

PISCITELLI, Adriana. Reflexões em torno do gênero e feminismo. In: COSTA, C. de L. e SCHMIDT, Simone P. (orgs). Poéticas e políticas feministas. Florianópolis: Mulheres, 2004.

PINTO, Céli Regina Jardim. Uma História do feminismo no Brasil. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2003.

RAGO, Margareth. “Es que no es digna la satisfacció de los institos sexuales?”: Amor, sexo e anarquia na revolução espanhola. In: Letralivre – revista de cultura libertária, arte e literatura, Rio de Janeiro, n.6, p. 09-16, 2002.

SILVA, Rodrigo Rosa. As idéias como delito: a imprensa anarquista nos registros do DEOPS-SP (1930-1945). In: DEMINICIS, Rafael Borges e REIS FILHOS, Daniel Aarão. História do Anarquismo no Brasil vol. I. Niterói – RJ: Mauad X, 2006, p. 113-132.

RAGO, Margareth. Do amor Livre. In: Revista Libertárias: Revista de Cultura Libertária, n. 03. São Paulo, set. 1998, p.11.


[1] GOLDMAN, Emma. O indivíduo, a sociedade e o Estado. São Paulo: Imaginário, 1998.
[2] PISCITELLI, Adriana. Reflexões em torno do gênero e feminismo. In: COSTA, C. de L. e SCHMIDT, Simone P. (orgs). Poéticas e políticas feministas. Florianópolis: Mulheres, 2004.
[3] PINTO, Céli Regina Jardim. Uma História do feminismo no Brasil. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2003.
[4] Nascida em Minas Gerais em 1887, em uma família modesta, foi uma ativista anarquista e professora. Escreveu muitos livros onde deixava clara sua posição em prol da emancipação feminina, defendendo desde a educação sexual ao amor livre.
[5] RAGO, Margareth. “Es que no es digna la satisfacció de los institos sexuales?”: Amor, sexo e anarquia na revolução espanhola. In: Letralivre – revista de cultura libertária, arte e literatura, Rio de Janeiro, n.6, p. 09-16, 2002.

[6] SILVA, Rodrigo Rosa. As idéias como delito: a imprensa anarquista nos registros do DEOPS-SP (1930-1945). In: DEMINICIS, Rafael Borges e REIS FILHOS, Daniel Aarão. História do Anarquismo no Brasil vol. I. Niterói – RJ: Mauad X, 2006, p. 113-132.
[7] Departamento Estadual de Ordem Política e Social do Estado de São Paulo: órgão de repressão política utilizado no governo Vargas para coibir e controlar a existência de focos políticos contrários ao governo instaurado.
[8] Nasceu em 1869, na Rússia, mas em 1886 migrou para a América, onde trabalhou como operária. Tida como uma “oradora nata” realizou inúmeras conferências em prol da emancipação feminina. Foi presa várias vezes. Participou como colaboradora em diversos jornais anarquistas, até que passou a publicar sua própria revista chamada Mother Earth. Morre em fevereiro de 1940.
[9] A Plebe. São Paulo, 05 de janeiro de 1935.
[10] A Plebe. São Paulo, 27 de abril de 1935.
[11] A Plebe. São Paulo, 26 de outubro de 1935.
[12] A Plebe. São Paulo, 30 de março de 1935.
[13] Idem.
[14] A Plebe. São Paulo, 30 de março de 1935.
[15] Idem.
[16] A Plebe. São Paulo, 28 de setembro de 1935.
[17] Refere-se a Michael Bakunin, importante teórico e militante anarquista russo.
[18] A Plebe. São Paulo, 23 de novembro de 1935.
[19] A Plebe. São Paulo, 08 de junho de 1935.
[20] A Plebe. São Paulo, 19 de janeiro de 1935.
[21]RAGO, Margareth. Do amor Livre. In: Revista Libertárias: Revista de Cultura Libertária, n. 03. São Paulo, set. 1998, p.11.
[22] A Plebe. São Paulo, 17 de agosto de 1935.
[23] A Plebe. São Paulo, 19 de janeiro de 1935.
[24] A Plebe. São Paulo, 02 de março de 1935.
[25] Idem.
[26] A Plebe. São Paulo, 23 de novembro de 1935.
[27] A Plebe. São Paulo, 25 de novembro de 1935.
[28] Idem.
[29] Ibidem.
[30] A Plebe. São Paulo, 06 de junho de 1935.
[31] A Plebe. São Paulo, 30 de março de 1935.
[32] Idem.
[33] Ibidem.
[34] A Plebe. São Paulo, 02 de março de 1935.

[35] A Plebe. São Paulo, 08 de junho de 1935.
[36] Idem.
[37] A Plebe. São Paulo, 09 de junho de 1935.

HÓSTIAS AMARGAS[1]: o anticlericalismo catarinense na imprensa anarquista paulista do início do século XX.[2]


Cleber Rudy




O Brasil das primeiras décadas do século XX seria marcado pelo crescimento urbano-industrial, e pela idéia do “moderno”, que mudaria a fisionomia arquitetônica e comportamental de suas cidades, segundo projeções de índole inglesa e francesa, inaugurando no país o resplandecer do que se denominou Belle Époque. Assim, progressos técnicos, aliciados a ideologia burguesa projetavam seus valores, no concernente ao modo de pensar e agir operário e de suas famílias, visando o disciplinamento e manutenção da “ordem” e do “progresso”, de uma irradiante sociedade republicana nascente e positivistamente constituída, que na contra-marcha dos seus interesses, ver-se-ia cara a cara com conflitos classistas.
Inspirado em tal emaranhado de “essências transitórias”, surgiria à confabulação de estratégias de luta contra a presença do clero na vida social, e seus conchavos com o poder público. Desta forma, principalmente pela imprensa libertária e independente, que surgia nos grandes centros urbanos (em especial São Paulo e Rio de Janeiro), marcados pelo grande contingente de imigrantes italianos, espanhóis e portugueses, dos quais muitos militavam em seus países de origem, em organizações anarquistas[3] e socialistas, proveriam questionamentos a tais instâncias de poder. Pois para estes a Igreja, a religião e por vezes a crença em um Deus eram vistas como superstições, mitos para entorpecer os pobres, e que por via da mentira visavam subjugá-los. E, assim, explorá-los.

É preciso lembrar quanto e como as religiões embrutecem e corrompem os povos? Elas matam neles a razão, o principal instrumento da emancipação humana e os reduzem à imbecilidade, condição essencial da escravidão. Elas desonram o trabalho humano e fazem dele sinal e fonte de servidão. Elas matam a noção e o sentimento da justiça humana, fazendo sempre pender a balança para o lado dos patifes triunfantes, objetos privilegiados da graça divina. Elas matam o orgulho e a dignidade humana, protegendo apenas a submissos e os humildes. Elas sufocam no coração dos povos todo sentimento de fraternidade humana, preenchendo-o de crueldade.[4]

Esse discurso proferido teria como autor, o anarquista russo Michael Alexandrovich Bakunin (1814-1876), considerado um dos mais brilhantes libertários, pelo seu ativismo em rebeliões e revoltas, que sacudiam Paris, Praga e Dresden, e que por sua ação revolucionária, seria várias vezes preso. Homem de temperamento forte que por sua oposição a Karl Marx durante a Primeira Internacional, seria expulso acompanhado de outros companheiros. Após a expulsão fundariam uma organização independente conhecida como a Internacional St. Imier. Entre seus legados à causa libertária, tem-se a projeção do o que fora denominado movimento anarquista histórico.[5]
Apesar da clara separação entre Igreja e Estado, instituída pela República e consolidada pela constituição de 1891 no Brasil, a qual decretava a secularização através da legitimação do casamento civil, da efetivação dos registros de nascimento e óbito em cartórios, de um sistema de ensino laico, assim como os cemitérios deixariam de pertencer a uma única religião, clímax que teria como desenrolar a perda da legitimidade de outrora da Igreja Católica Apostólica Romana enquanto instituição oficial. Acontecimentos que trariam junto de si interrogações acerca da permanência de frades e padres no que concernia a instrução pedagógica e moral de uma população supostamente aliciada pelos perigos da perdição, que poderia ser entendida como o não comprimento dos sacramentos[6], entre outros deslizes “pecaminosos”.
Nesta senda, em Santa Catarina os reflexos de tal momento histórico brasileiro teriam os mais variados impulsos, ou seja, de um lado uma ala assumidamente republicana que extasiada buscava fazer valer os semblantes instituídos pelo novo governo, enquanto por outro lado vê-se agrupamentos marcadamente agregados às tradições monárquicas de padroado, e que almejavam manter-se enquanto instituição de poder oficial, (mesmo não mais o sendo), e desta forma, cerceando a vida da população local, e seus tramites políticos. E é em meio a tal enredamento que nos deparamos com indivíduos que frente à Igreja, alimentados por um enorme descontentamento, manifestariam sua aversão diante do que comumente se referiam como invasão de frades estrangeiros, loyolas[7] e demais segmentos sacros que impregnavam suas vivências.
Sendo assim, cansados de um certo “abstratismo” (o qual deve ser interpretado no sentido de silenciamento, ou limitação repercusiva de suas críticas), tais indivíduos recorreriam à imprensa escrita para denunciar as mazelas levadas a cabo em nome da salvação divina, assim como acerca da dicotomia entre os votos “sagrados” e a prática “profana”.
No jornal A Lanterna[8], de inspiração anticlerical e libertária, editado em São Paulo, que operava como veículo de informação principalmente à classe operária, tendo em sua direção o jornalista e anarquista Edgard Leuenroth, encontramos artigos, crônicas de anticlericais catarinenses, que identificados até certo ponto com seus princípios libertários, ainda como pelo fluir de uma circulação de ampla proporção preferiam recorrer a ele ao invés das publicações existentes em seu próprio estado. Jornal que durante o início da década de 1910 tinha como um dos seus pontos de venda na Ilha de Santa Catarina, a Agencia de Revista do Sr. Valentin Farinhas, localizada na rua República n° 2.
Em Florianópolis durante as primeiras décadas de 1910, publicou-se um jornal de combate ao clero católico, e que emanava um discurso de postura mais amena do que A Lanterna. O jornal intitulava-se, O Clarão[9]. E também perpassaria por temáticas ligadas à maçonaria e ao espiritismo.
O Clarão, surgido em 1911, visava discursar contra os mandos e desmandos dos padres em Florianópolis e cercanias. Seu “xeque-mate” era especificamente contra os clérigos católicos, dando vazão às outras crenças religiosas e demais manifestações humanas míticas regidas pelas luzes do esclarecimento e da liberdade. Seus editores mantinham contatos com o jornal A Lanterna, o qual era distribuído no referido estabelecimento do Sr. Farinhas, onde também era vendido O Clarão.
Mas no concernente ao jornal A Lanterna, um entre seus cronistas nos chama a atenção em especial, mediante sua certa periodicidade de comunicação com este jornal, e pela profusão crítica de seu discurso, por vezes transvasado de essência atéia: C. de Lippe, era como assinava, e a cidade de São José seu ponto de envio.
Seus textos eram mensais e sairiam durante o ano de 1914, numa coluna intitulada, ora por “Crônica de Santa Catarina”, ora por “´A Lanterna` em Santa Catarina”, o que evidencia a circulação do próprio jornal por estas terras, fato comprovado pelas menções no próprio jornal acerca da correspondência e das encomendas remetidas a C. de Lippe. Tais escritos se reportavam a situações ocorridas na própria comunidade e cercanias, (São Pedro de Alcântara, Angelina, Santo Amaro do Cubatão). Situações as quais condiziam acerca das lides dos padres e a desenvoltura do poder destes sobre o cotidiano destas regiões, que se mantinham sedimentadas numa cultura ruralista, da qual os saberes teóricos científicos imbuídos pela modernidade, não faziam parte, e que de certo modo favorecia a emanação dos poderes provenientes da Igreja Católica enquanto única experiência de vida e análise de mundo.
C. de Lippe num primeiro momento manifesta sua preocupação pelo que denomina de crescente invasão de frades estrangeiros em Santa Catarina, fato que o inquietava não por suas nacionalidades, mas por serem do clero, “gênero que as Filipinas, a França e ultimamente Portugal atiraram á praia como elemento mau e principal fator de todo o mal”[10].
Tais dados expostos em sua crônica condiziam com os andamentos que fervilhavam a Europa do século XVIII, embalada pelos ideais iluministas e que adotaria políticas de aversão aos jesuítas, onde, em Portugal, o estadista Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal (1699-1782), expulsaria os jesuítas tanto em seu país como no Brasil, e que junto a Clemente XIV, intercederia pela extinção da Companhia de Jesus; na Espanha, Pedro Pablo Abarca de Bolea, o Conde de Aranda (1718-1798), durante o reinado de Carlos III, instigaria o motim de Esquilache (1767), tendo como objetivo a expulsão da Companhia de Jesus; na França, Étienne François Choiseul (1719-1785), homem de estado, diplomata, conseguiria o banimento dos jesuítas em seu país. Desta forma, quando não eram expulsos, acabavam por ter seus poderes limitados, e sua atuação restrita a conventos, irmandades e mosteiros.
O cronista em voga prossegue:

Como, porém, neste Estado, a população sertaneja, infelizmente, ainda conserva-se mergulhada nas trevas, isto é, sem o menor grau de instrução, eis porque essa negra remessa tem sido quase toda depositada aqui, para desgraça e infelicidade nossa.[11]

Assim, tem-se uma população que perece pela falta de substratos instrutivos, os quais serviriam de justificativa para a introjeção de tais membros provenientes da Companhia de Jesus, e que como se percebe nos idos da Instituição em Santa Catarina, instruir era catequizar, “(...) adultos e meninos, ´se levam à piedade e elegância cristã`. (...) o mesmo fim, (...) educação religiosa, com a palavra de Deus e administração dos sacramentos”.[12] Práticas emanadas como unicum refugium, a massa de “incautas”.
Lippe, ainda no referente aos frades coloca, que:

É esse um individuo perverso e mau; educado desde tenra idade na escola da ignorância e da mentira, está unicamente preparado para, em nome dos deuses inexoráveis e vingativos, embrutecer o povo para melhor explorar e saquear desapiedadamente os mingoados recursos de que ele dispõe.[13]


Análise que visava evidenciar os seminários e conventos, enquanto lugares de articulação de mentiras e demais hipocrisias. Seguindo em sua ótica, demonstrava a perpetuidade acerca da perversão dos deuses, os quais, sob seu caráter acobertava a exploração do povo.
Fato que “deveria prender mais seriamente a nossa atenção, e muito especialmente a daqueles cuja investidura lhes confere atribuições de administradores das coisas publicas.”[14] Não limitando suas objeções, por aí a questão religiosa segundo sua ótica, vulgarmente falando, seria caso de polícia:

Os governantes perseguem os cáftens e todos aqueles indivíduos que julga capaz de perturbar a paz e tranqüilidade publicas, e isto independente de mais formalidades que evidentemente constatem a veracidade de suas suspeitas. E por que, perguntamos nós, não perseguem ou pelo menos não exercem sua vigilância sobre os frades (...)?[15]


Outrossim, patenteava os votos instituídos pela República, que desvinculavam relações coniventes de cooperação pública entre Igreja e Estado, mas os quais nem sempre eram efetivados na prática, evidenciando uma República que perecia de maturidade e suficiência para desatrelar-se por completo das antigas tradições monarquistas, no referente a situação eclesiástica que assolava o país,

Mas, o que vemos? Os poderes públicos em completa ligação com a Igreja Romana: ora subvencionando instituições puramente religiosas com caracter de hospitais, onde doentes de todos os credos que teem a infelicidade de lá ir parar, são obrigados a sofrer, além da dor física, as cruéis torturas morais das rezas e confissões; ora lançando mão dos dinheiros públicos, que representam a economia e o sacrifício do povo, para compra de luxuosos palácios para bispos, e, finalmente, - até certas câmaras municipais do interior, cujas rendas são diminutissimas, concorrem com regular verba para manutenção de irmandades e “folias” do Espírito Santo ![16]


Desta forma, além do dinheiro saído dos cofres públicos para erigir hospitais, ministrados pela Igreja e festins religiosos, o cronista creditava a tais instituições, o papel catalisador de propaganda cristã, facilitada pelo desespero infermicida de seus internos, que daria vazão (condicionada), de piedade moral e fé exacerbada.
Em outra de suas crônicas C. de Lippe, tece sua analogia acerca dos “fanáticos” do sertão, ligados ao Conflito no Contestado[17], e o fanatismo reinante em sua própria cidade e demais cercanias, patrocinado pelos frades, como se pode ver neste trecho de seu escrito intitulado “Os fanáticos sublevados no sertão”:

(....) O governo estadual tem lançado mão de todos os meios brandos para restabelecer a paz e a tranquilidade naquela região ora fragelada pela peste religiosa, sendo, porêm, todos eles improficuos ante a feroz resistência com que aqueles sertanejos ingênuos e ignorantes defendem as suas divindades protetoras: Deus, S. Sebastião e o seu monge José Maria, que os assiste, como firmemente crêem, a todos os combates que houverem de travar com as forças legais.
Ora, isto é o cumulo da estupidez !
(...) Poder-se-ia apelidar de fanáticos os revolucionários de Taquarussú se não existisse maior grau de fanatismo em Angelina, S. Pedro e Santo Amaro do Cubatão; porque aqueles resumem sua crença em Deus, S. Sebastião e no monge e estes, além de acreditarem em maior numero de absurdos, ainda carregam, dependurado ao pescoço, pedaços das velhas roupetas dos frades, que as adquirem por elevado preço.[18]


Pode-se perceber que, para ele, o “fanatismo” religioso que se vê manifestado em sua localidade e adjacências mediante as lides dos padres, tomava contornos tão impactantes e hediondos como o que se presenciava no sertão Contestado, abalado pelo messianismo. Crença que aflorava pelos sertões catarinenses e que constantemente sofreria ataques por parte dos padres pelo fato dos “monges” atuarem como poder paralelo.[19] Ainda para Lippe, tal guerra seria fruto do veneno religioso[20]. Crônica que em seu bojo, evidenciava sua aversão e descrença frente ao culto religioso constituído pela existência de Deus, santos e a utilização de relíquias[21], como bem expõem ao referir-se aos pedaços de velhas roupas oriundas dos frades, aos quais uns grupos de pessoas trazem presos ao pescoço, e que aos seus olhos tomam contornos de sórdido, assim como de absurdo mediante os valores de compra inóspitos atribuídos a tais objetos.
Ao prosseguir elucida:

Felizmente não são os heréticos, os excomungados pela santa igreja católica, que promovem com a sua descrença essas guerras fratecidas que tanto fazem esgotar os cofres públicos e exterminar as vidas; são exactamente os clientes, nos quais os frades, auxiliados pelo próprio governo, introduzem no seu bestunto doentio a absurda crença de que Deus impõe tais sacrifícios em compensação de futuros gosos celestes.
Diz a Igreja: quem não crê morre; e nós agora podemos dizer que, quem toma uma elevada dose de crença incorre no mesmo perigo.[22]


Mas sua ânsia de oposição não parava por aí, sempre que julgava necessária, vinha a tona, desafiando os meandros de uma sociedade embebedada de Filosofia Cristã, como neste artigo, intitulado “O fanatismo em São José”[23], no qual tem-se a continuidade de suas críticas a esta questão. Os responsáveis pela ignorância do povo, segundo Lippe, são identificáveis pela batina, pois se a população vive distanciada dos caminhos da razão, (a qual sempre ganhou lugar de destaque entre os anticlericais e livres pensadores), este distanciamento seria fruto das investidas dos frades, ao imporem a fé aos dogmas como única instrução. Também tomam nitidez um embate envolvendo a “emancipação do espírito humano” cultuada pelos que vivem as margens dos preceitos da Igreja versus a degradação do ser humano mediante os ensinamentos ministrados pelos frades. Afrontamento que faria suas vítimas, como o fora no concernente aos sócios da Sociedade Musical de São José.

Em tudo tem aqui o frade ingerência.
Notamos ultimamente num centro de diversão recentemente criado,o sinistro dedo do frade lançando o pomo da discórdia entre seus associados, (....)[24]


Como desfecho de tal intervencionismo alguns sócios teriam sido banidos de tal instituição, sob alegação de não serem casados religiosamente. Álibi ao qual não prescindia com os auspícios da República[25], e que elucida uma relação que ainda por completa não se encontrava resolvida entre o poder sacro e o poder laico.
O intervencionismo dos frades na vida social teria ainda outros desenlaces, como podemos ver neste trecho:

(....) um dos mais respeitáveis negociantes daquela fanática freguezia[26], tem sido bastante perseguido pelo tal jesuíta (...), que além de ameaçar com a perda de absolvições,com excomunhões e outras babozeiras do mesmo quilate, que nada mais conseguem senão redicularizar o seu caracter de homem sagrado, tem feito retirar a freguesia do seu negocio,e isto pelo facto daquele cidadão não obedecer ao horario determinado pelo mesmo padreco, de fechar o seu estabelecimento ao anoitecer e não vender foguetes depois dessa hora.[27]


Desta forma, mais uma vez, vemos sua oposição diante de um poder emanado pelo clero, e que intercede na vida local de alguns cidadãos, pelo fato de transgredirem preceitos e “leis” instituídas pela Igreja, a qual se via enquanto eminente catalizador do poder, da ordem e controle social. Para tanto, Lippe noutro de seus escritos, evoca:

(...) o dever de reunirmo-nos em uma forte associação, secreta se preciso fosse, para que possamos auxiliar-nos reciprocamente,e exercermos uma ação mais eficaz e sem vacilações contra essa horda de vagabundos, cáftens e usurpadores da paz e tranqüilidade (...)[28]


Sendo assim, ao que tudo indica, sua idéia de associação, organização estava aliciada a todo um movimento que tomava corpo a partir da década de 1910, mediante a morte do pedagogo libertário e espanhol Francisco Ferrer y Guardia[29], executado por influência da Igreja Católica. Desta forma, a Europa e o Brasil foram tomados por ímpetos anticlericais, que almejavam criar escolas, associações, ligas, com a finalidade de discutirem e se mobilizarem contra as práticas do clero e em prol do racionalismo. Mas até onde nossa documentação permite sondar, tais planos em solo catarinense não se concretizaram[30].
E nesta senda, ele expõe, “É, portanto, necessário que os anticlericais se unam, para que dessa união resulte a força tendente a atenuar a marcha desse animal feroz”.[31] Preocupações que trariam consigo a indiferença com a qual por vezes era tratada a propaganda anticlerical principalmente em solo catarinense, devendo assim, a mesma ser superada, já que era o único recurso, segundo ele, disponível de combate a uma situação que cada vez mais tomava contornos agravantes, diante da dominação clerical.
Sobre tais preocupações, o jornal A Lanterna, de 1914 instigava, “Anti-clericais ! Livre-pensadores ! Organizai os vossos grupos. É necessário fundar a Federação Brasileira do Livre-Pensamento.”
Como atento observador, C. de Lippe não deixava que acontecimentos de progressão religiosa local escapassem de serem acometidos de comentários, e para tal tarefa sempre contara com sua consorte: a ironia. Então ao tomar nota acerca da despedida de um frade local, chamado Domingos, e do cortejo lacrimoso que evidenciava seu adeus, ele escreve,

No fim do tiroteio de saudações, foi todo o pessoal manifestante alarmado com um enorme milagre que o deixou boquiaberto.
Do alto de uma enorme cruz, a bela imagem de um Cristo que lá se achava suspensa, dirigiu ao Mingote o seu ultimo adeus de despedida. Moveu-se milagrosamente do seu pesado madeiro, desprendeu do cravo a sua descarnada mão direita, deixou-a cair pesadamente sobre a articulação do braço esquerdo, cerrou o punho e gesticulou religiosamente para o seu explorador, proferindo estas santas palavras: Adeus, devorador do meu sangue e amante das minhas esposas! Aceita esta preciosa “fruta catarinense” que te envia o povo anticlerical desta paróquia, para te alimentares durante a tua excursão de embrutecimento por outras paragens de imbecis. Que ela se multiplique como os pães e os peixes dos evangelhos. Amem.[32]


Alegorias e simbolismos religiosos que nas mãos deste livre-pensador se convergiam, em instrumentos de crítica da própria ordem que os exalta, pois se a maioria da população preferia se manter indiferente as possíveis práticas hediondas de um padre, caberia a Cristo[33] travestido de um anticlerical, afrontá-lo com o gesto de uma “banana” e inquiri-lo sobre sua conduta. Contornos de uma linguagem que lembram a mesma utilizada na França do século XVIII e XIX, pelo Marquês de Sade[34], o qual valia-se, em suas obras, de elementos sacros ao efetuar sarcasticamente sua oposição aos preceitos da Igreja e demais divindades.
E nosso cronista deixa-nos o seguinte escrito ainda ao referir-se a Igreja Católica e seus preceitos, antes de despedir-se, “(...) seita intolerante, sanguinária e inimiga de tudo quanto é suscetível de trazer a luz da verdade ao espírito humano (...)”[35]. Palavras que remetem a tradição iluminista de Voltaire[36] e Diderot[37], onde a razão é a luz, lanterna guia de todo conhecimento e emancipação humana, frente às mazelas de uma sociedade alicerçada sobre superstições e demais engodos patrocinados pelos padres.
Acerca deste cronista os únicos vestígios que temos são as suas crônicas, publicadas na imprensa paulista, A Lanterna. Em que trabalhava? Como vivia? Quem era? São dados que nossa documentação não permite vislumbrar, já que possivelmente valia de um pseudônimo. C. de Lippe, ainda nos fomenta certas divagações, onde além de suas crônicas, publicadas em São Paulo no jornal anarquista e anticlerical A Lanterna, tem-se uma carta publicada no jornal anticlerical de Florianópolis O Clarão, que mesmo sem ter o nome do autor, só a localidade (São José), pela linguagem e radicalismo empregados identificamos como sendo de sua possível autoria,

Illm°. Sr. Redactor

(...) o apparecimento do seu pequeno mas denodado “Clarão” tem aumentado o numero daquelles que como eu estão dispostos a pegar em armas para expulsar do solo brasileiro esta peste negra ou bando de vagabundos (...)
S.José, 22-1-1912


Lippe, se realmente este era seus sobrenome, seria um dos tantos imigrantes alemães neste estado? Seria possível, mais nossas buscas não evidenciaram remanescentes desta família, ou que ainda se utilizassem deste sobrenome, caso o realmente o fosse. Ou C. de Lippe, seria seu codinome? Se o era, tudo indica que fora emprestado do príncipe alemão, teórico militar, político e social, Conde Lippe, o qual fora marechal do exército português, mediante indicações do Marquês de Pombal. Inquietações, estas que, ainda não encontram substrato de verdade(s).


[1] Nome emprestado da obra de José Gavronski, publicada em São Paulo pelo jornal A Lanterna em 1935.
[2] Este artigo é uma versão resumida de um dos capítulos da monografia “Entre a luz e as trevas: cultura libertária e aversão ao clero em Santa Catarina (1910-1940)” desenvolvida durante a especialização em História Social na Udesc entre 2004 e 2006, sob a orientação do professor Paulo Rogério Melo de Oliveira. Texto publicado originalmente na Fronteiras - Revista Catarinense de História nº 15, junho de 2007.
[3] Para maiores detalhes acerca da imigração européia e das lides libertárias, consultar , MARAM, Sheldon Leslie.Anarquistas, Imigrantes e o Movimento Operário Brasileiro.Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979..
[4] BAKUNIN, Mikhail. Deus e o Estado. São Paulo: Cortez, 1988. p. 26.
[5] Escrito efetuado com base na obra: WOODCOCK, George. Os Grandes Escritos Anarquistas. 4ª ed. Porto Alegre: L&PM, 1990, p.345/ 346.
[6] No século XII, os sacramentos foram estipulados em sete, os quais eram: batismo, penitência, eucaristia, crisma, casamento, ordenação e extrema-unção.
[7] Termo derivado do nome São Inácio de Loyola, fundador da Companhia de Jesus em 1540, o qual elevaria o Brasil em 1553, à categoria de província jesuíta, sendo assim, a denominação loyolas reporta-se aos jesuítas, frades, sendo tal termo, empregado pelos anticlericais do jornal O Clarão, publicado em Florianópolis, nas primeiras décadas do século XX.
[8] Foi fundada em 7-3-1901, durando até 29-2-1904, sob a direção de Benjamin Mota (1ª fase); reaparece em 17-10-1909 indo até 19-11-1916, sob a direção de Edgard Leuenroth (2ª fase); e em 13-7-1933 iniciou sua terceira fase que foi até 10-1935, sob a direção novamente de Edgard Leuenroth. Elaborado com base na obra: RODRIGUES, Edgar. Pequena História da Imprensa Social no Brasil. Florianópolis: Insular, 1997.
[9] Jornal publicado na cidade de Florianópolis, Brasil (em Portugal no começo do século XX editava-se um jornal com o mesmo nome, consagrado as idéias libertárias do espanhol Francisco Ferrer, o qual tinha circulação no Brasil). O Clarão, catarinense, teve sua 1ª fase iniciada em 20 de agosto de 1911, indo até 4 de julho de 1914, e em sua 2ª fase indo de 28 de agosto de 1915 até idos de 1918.
[10] A Lanterna, São Paulo, 21/ 03/ 1914.
[11] A Lanterna, São Paulo, 04/ 04/ 1914.
[12] LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. (vol. VI). Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1945, p. 471.
[13] A Lanterna, São Paulo, 21/ 03/ 1914.
[14] idem
[15] A Lanterna, São Paulo, 04/ 04/ 1914.
[16] A Lanterna, São Paulo, 21/ 03/ 1914.
[17] Conflito desenrolado no planalto catarinense entre 1912 e 1916, de cunho milenaristas (crença no milênio), ou seja, o reino dos mil anos de Cristo.
[18] A Lanterna, São Paulo, 16/ 05/ 1914.
[19] Para maiores detalhes, consultar, STULZER, AURÉLIO (FREI). A Guerra dos Fanáticos (1912-1916). Vila Velha/ Petrópolis: Vozes, 1982.
[20] O viés do fanatismo, enquanto fator monolítico no Conflito no Contestado, marcaria uma gama de estudos acerca do episódio.
[21] Para buscar elucidar tais invenções e artimanhas, recorremos a uma passagem de, RODRIGUES, Edgar. Socialismo e sindicalismo no Brasil. Rio de Janeiro: Laemmert, 1969. Onde, “Desde os primórdios do seu aparecimento sobre a face da terra, o clero se organiza no poderoso quartel general de Roma e ali elabora planos e expede-os para as suas sucursais espalhadas pelo universo.
No ano 120, inventaram a água-benta; no ano 157, a penitência; no ano 325, a páscoa da ressurreição; no ano 375, o culto dos santos; no ano 391, a missa; no ano 400, as encomendações dos mortos; no ano 550, o óleo santo; no ano 593, o purgatório; no ano 600, o primado do papa; no ano 699, o culto da cruz e das relíquias; no ano 800, o beijo na sandália do papa; no ano 933, a beatificação dos beatos; no ano 1000, a canonização dos santos; no ano 1015, o celibato dos padres; no ano 1066, a infabilidade da igreja; no ano 1090, o rosário; no ano 1119, a indulgência; no ano 1160, os sete sacramentos; no ano 1200, a consagração da hóstia; no ano 1204, inquisição (...)”. p.295 .
[22] A Lanterna, São Paulo, 16/ 05/ 1914.
[23] A Lanterna, São Paulo, 21/ 02/ 1914.
[24] A Lanterna, São Paulo, 21/ 02/ 1914.
[25] No § 4º , do Art.72, do Capítulo V, da Constituição do Brasil de 24 de fevereiro de 1891,temos: “A República só reconhece o casamento civil, cuja celebração será gratuita.” ( www.soleis.com.br/1-Constituicoes0.htm#12)
[26] A freguesia a qual se refere, seria São Pedro de Alcântara.
[27] A Lanterna, São Paulo, 05/ 09/ 1914.
[28] A Lanterna, São Paulo, 21/ 03/ 1914.
[29] Francisco Ferrer y Guardia, era pedagogo e libertário, sendo o criador das Escolas Modernas.Suas escolas foram um das primeiras a utilizar salas mistas (meninos e meninas juntos), sendo os conteúdos elaborados para o desenvolvimento da razão. A Igreja Católica via tais práticas como um atentado aos seus interesses. Vitima de uma trama elaborada entre Governo e Igreja, Ferrer seria fuzilado na fortaleza de Montjuich, em Barcelona, na Espanha, no dia 13 de outubro de 1909.
[30] No O Clarão, nº 16, 2/ 10/ 1911, sairia a seguinte nota, “NOTICIARIO – Consta-nos que por estes dias se iniciará a organização de um Liga anti-clerical.” Mas sobre a mesma não encontramos nada que efetive sua criação.
[31] A Lanterna, São Paulo, 21/ 03/ 1914.
[32] A Lanterna, São Paulo, 13/ 06/ 1914.
[33] Nos meios livre-pensadores, um Cristo de contornos humano e altruísta ganhava apreciação.
[34] Donatien Alphonse François de Sade (1740-1814) – conde e marquês de Sade. O anticlericalismo estava acentuadamente presente em suas obras, as quais eram dotadas de um aguçado espírito crítico e visceralmente contrários aos grilhões das ortodoxias religiosas e morais.(...) Além de atacar com extremo vigor as superstições da religião, tinha especial predileção por demonstrar escárnio pelo papa e pelos demais membros da Igreja. Nota extraída da apresentação efetuada pelo historiador Eduardo Valladares, na obra: SADE, Marquês de. Discursos Ímpios. São Paulo: Imaginário, 1998, p.12.
[35] A Lanterna, São Paulo, 21/ 03/ 1914.
[36] Pseudônimo de François Marie Arouet (1694-1778), escritor e filósofo.
[37] Denis Diderot (1713-1784), escritor francês, um dos maiores “livre-pensadores” de sua época.