domingo, 22 de fevereiro de 2009

Cecília, uma Colônia Anarquista

No final do século 19, imigrantes italianos em terras paranaenses efetivavam no Brasil um primeiro estágio das perspectivas anarquistas, via a constituição de uma colônia, a Colônia Cecília. Evocando a possibilidade de transformação social, os anarquistas, ou libertários, se punham no combate ao autoritarismo e a opressão e em defesa da liberdade enquanto bem maior.
Neste sentido, o mentor da colônia anarquista, Giovanni Rossi, escrevia: “peço a sua ajuda na seleção de novos adeptos para a Colônia. Esta arregimentação de colonos que são antes fugitivos da fome do que anarquistas só trouxe problemas para os que acreditam na experiência da Cecília. Não precisamos mais desses desesperados do destino, que encontram nos anarquistas uma possibilidade de conseguir imigrar, valendo-se de nossos precários recursos. Queremos trabalhadores convencidos de nosso ideário e com bom caráter.” Estas preocupações, aliás, são registradas por Miguel Sanches Neto em seu romance Um Amor Anarquista, obra que trata desta experiência anarquista, efetuada em terras paranaenses entre os anos de 1890 e 1894.
Giovanni Rossi, também conhecido por Cárdias era anarquista e engenheiro agrônomo, natural de Pisa na Itália, e mentor da colônia libertária erigida em Palmeiras, no Paraná. Anos antes tentara na Itália, na região de Cremona, uma experiência comunitária similar conhecida como Cittadela. Na Itália, era ainda responsável pelo semanário socialista Lo Sperimentale, que tratava de discutir experiências sociais de caráter comunitário. Movido pela idéia de que um novo mundo seria possível na América, Rossi junto com outros idealistas seguiu para o Brasil, para aqui dar vida à experiência comunitária de Cecília.
Assim, em terras compradas do governo brasileiro (a serem pagas em cinco anos), nascia esta colônia que chegou nos melhores tempos a abrigar até 250 pessoas, que sobreviviam mediante um sistema de produção coletivo, baseado no trabalho inorganizado (espontâneo), enquanto a distribuição da produção dava-se pela necessidade de cada membro. Para tanto, Candido de Mello Neto – descendente de uma das famílias que viveram na colônia -, em O Anarquismo Experimental de Giovanni Rossi escreveu: “Quanto aos alimentos existentes em maior quantidade, havia liberdade em seu consumo; os mais raros, ou mais saborosos, eram racionados em partes iguais. Os doentes recebiam privilegiadamente a comida e a bebida mais delicada. A caixa social permanecia sempre aberta, mesmo após o único roubo ocorrido. Com a concordância de todos, esta estabelecido que o abandono da Colônia não propiciava quaisquer direitos de reclamação quanto a bens materiais”.
Desta forma, a experiência de viver anarquicamente requeria modificações dos costumes e hábitos, exigindo dos envolvidos a superação dos antigos vícios de uma sociedade solidificada em relações egoístas. E neste sentido, o amor livre foi uma nova concepção de amar, levada a cabo na colônia por Aníbal, Eleda e Rossi. E nesta perspectiva o amor, visto como espontâneo, era movido pelo ânimo de estar ao lado de que quem se gosta sem a implicação de contratos ou obrigações. Sobre tal ímpeto amoroso em Cecília, Rossi comenta: “quando, (...) todos viram o modo respeitoso com que tratei Eleda e que as atitudes desta não deixaram, em nenhum momento, de ser afetuosas com Aníbal e reservadas comigo, quando viram a amizade fraternal entre Aníbal e eu, movida pelo objetivo comum de tornar agradável a vida de Eleda, quando, em suma, perceberam que o amor livre não é a vulgaridade animalesca e sim a mais alta e agradável expressão da afetividade, dissiparam-se até as últimas hesitações”. O nome da colônia, inclusive, tinha sua origem numa personagem de uma das obras de Cárdias, “Uma comuna socialista”, uma aventura a três, vivida entre Cecília, Rossi e um amigo.
Todavia, muitas eram as dificuldades para um laboratório social como Cecília, como integrantes que debandavam, buscando melhores condições de vida, integrando-se como mão-de-obra em cidades vizinhas. Entretanto Candido de Mello Neto afirma: “a Colônia não caiu por ter sido comunista e muito menos por ter sido anárquica, mas porque era pobre e era pobre porque começou com pouquíssimos meios, com pessoas incapazes para os trabalhos agrícolas, estando em meio a uma vida que lhe era economicamente estranha”.
Dissolvida a colônia libertária em 1894, muitos dos seus membros ao migrarem principalmente para Curitiba ou Porto Alegre, contribuíram para a organização do movimento operário segundo perspectivas anarquistas. Em Curitiba pelas mãos do egresso, Egízio Cini surgia em 1899 o periódico anarquista Il Diritto. Mais tarde dava alento a fabricação de bebidas, entre estas o refrigerante Cini, ainda hoje existente, mas que poucos sabem ter nascido do pioneirismo de um anarquista outrora integrante da Colônia Cecília.
Giovanni Rossi, o “pai” da experiência anarquista, após curta estadia em Curitiba, rumou para o Rio Grande do Sul, vivendo posteriormente em Santa Catarina, porém esta é uma história, para um outro momento de prosa, entre um gole e outro de Cini.

Cleber Rudy

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